segunda-feira, 18 de maio de 2009

O continente que não estava lá: a cobertura dos países africanos no jornalismo impresso brasileiro

Disponível para download, em PDF, O continente que não estava lá: a cobertura dos países africanos no jornalismo impresso brasileiro, monografia submetida à banca de graduação como requisito para obtenção do diploma de bacharel em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Entrevista com Juliana Iootty
Editora-adjunta de internacional de O Globo
Concedida pessoalmente
Dia 23 de outubro de 2007


- Qual é a estrutura da editoria de Inter de O Globo? Editor-chefe, editores-assistentes, redatores, pauteiros...

A editora-chefe, que é Sandra Cohen; editora-adjunta, que sou eu; o editor-assistente, que é o Flavio Lino; e Danilo, Cristina, Leonardo, Paulo e Thiago. Nós somos oito. São 3 editores e 5 redatores. Os editores se revezam na função de pauteiros. Eu, por exemplo, hoje cheguei de manhã pra fazer a pauta. Chego cedo, vejo as agências de notícias, sites, liga, telefona, fala com correspondentes, vê qual é a pauta do correspondente, vê quais são os assuntos do dia. Enfim, a gente mesmo faz, os editores mesmo que fazem a pauta diariamente.

- Você acha que esse número é grande ou pequeno na comparação com outras editorias, comparando com o número de páginas também?

Eu acho pequeno. Mas aí na verdade, se a gente for falar em tamanho, você vai ter que pegar primeiro o número de páginas. Eu acho que a internacional - no Brasil, não só aqui n’O Globo -, ela é subdimensionada. Antigamente o jornal era maior. Eu acho que os jornais estão diminuindo de tamanho. Depois do 11 de setembro a gente teve uma reversão disso. Mudou propriamente - não foi só o atentado, foi tudo o que veio depois: guerras, invasões, houve uma mudança na política externa toda, que veio nos dar mais espaço. Mas isso, infelizmente, foi reduzido novamente. É uma pena. Então eu acho que pra esse número de páginas, a gente tem um número bastante razoável. Mas as crises do mundo são incontroláveis, né? Várias vezes a gente precisa de ajuda de outras editorias quando uma crise emerge, uma ou outra. A gente acaba precisando de ajuda de outras editorias. Mas comparando com as outras, o número é pequeno porque o mundo é grande.

- Como funciona o trabalho dos redatores? A editoria de Inter tem essa particularidade que é ter redatores e não ter repórteres, que são os correspondentes.

Eu sempre digo isso quando alguém pergunta. Houve uma época - há uns 20 anos, mais ou menos - que o redator de internacional era aquela figura que se assemelhava muito ao tradutor, porque você tinha uma cobertura internacional que não era tão crítica, talvez. E o correspondente não. O correspondente sempre foi um repórter, um repórter em posto avançado. Mas você tinha a figura do redator que era muito parecida com a do tradutor, na verdade. Então o cara pegava o telex e praticamente traduzia. Hoje em dia, a gente não tem isso. Todos os nossos redatores têm o perfil de repórter. Já foram e continuam sendo repórteres de alguma forma. Hoje em dia, são enviados pra coberturas internacionais. Aqui, no último ano nós mandamos pra Venezuela, pra Bolívia, pra Colômbia, pro Equador. Eles são absolutamente capazes de fazer grandes coberturas. E no dia a dia - você tem, por exemplo, crises como a da Turquia e do Iraque -, não é possível mais que o redator pegue uma nota de agência e traduza. A não ser que a gente esteja usando um serviço de Washington Post, New York Times, El País, que aí sim a gente está usando a tradução, mas por um motivo deliberado: a gente acha que aquela matéria é bacana e tem que ser traduzida integralmente. O cara vai ter o input de várias fontes. Ele vai pegar texto de agência, ele vai olhar os sites, ele às vezes liga pra um analista, se ele achar que é o caso, e ele constrói, com a capacidade crítica dele, com o texto. Porque a gente delibera como vai ser aquilo. A gente não quer falar só que a Turquia está aprovando no seu parlamento uma autorização para a invasão do Iraque. Tem que mostrar que, de alguma forma, aquilo está ligado a relações com os Estados Unidos, com a aprovação pelo congresso americano daquela lei que declara genocídio o que aconteceu na Armênia e as relações muito delicadas ali na Otan. Então você não pode simplesmente pegar um texto, traduzir e colocar isso ali. Então os redatores, cada vez mais, têm um perfil de repórter e todos eles uma bagagem - muitos fazem mestrado em Relações Internacionais. Então é um sujeito que tem, digamos assim, um arcabouço muito bacana. Não é tradutor de jeito nenhum.

- Sobre esse trabalho de contextualização, você acha que, cada vez mais, os jornais impressos se vêem obrigados a isso? Muitas vezes o leitor têm acesso fácil ao conteúdo das agências pela Internet. A partir de quando os jornais tomaram a direção da análise, em lugar da reportagem mais factual?

Claro. Eu não poderia te dar uma data, mas com a chegada da Internet e mesmo com a TV, já tinha mudado um pouco. Mas isso é um processo em andamento. É empírico. A gente, mesmo, tá fazendo isso todos os dias, da maneira que a gente vai julgando melhor. Mas eu acho que a Internet foi definitivamente uma coisa que mudou isso, porque se você chega no dia seguinte, o jornal, na porta do leitor, com a mesma notícia que já saiu na Internet, no rádio e na TV, qual é a sua colaboração ali? Eu acho que, cada vez mais, o jornal está se tornando um espaço de reflexão. Claro que você vai dar a notícia. Morreram cinco na Faixa de Gaza? Morreram cinco na Faixa de Gaza. Mas quais são as indicações disso pro futuro... E é um dilema, porque ao mesmo tempo em que o jornal se torna um espaço de reflexão, o jornal não tem o mesmo espaço que a Internet tem disponível. O jornal tem um espaço limitado, então agente tem que escolher. E a nossa escolha tá cada vez mais pra parte da análise e ela está sempre embutida na notícia. Nunca mais, eu acho, vai poder ser a notícia pura, factual, porque isso você já viu desde que você acordou, quando você tá indo pro trabalho, você ouve no seu rádio, você vê na TV à noite, se você tiver Internet no seu local de trabalho ou na faculdade, você vai ter visto isso. Então o que adianta você ler jornal no dia seguinte? É a minha avaliação - e é a avaliação de muita gente -, eu acho que o jornal, cada vez mais, tem que ter esse diferencial, de ser um espaço de reflexão sobre a notícia e não só de dar a notícia, simplesmente. Mas isso é um desafio em andamento. Nós estamos aprendendo a fazer isso. Quando eu cheguei, no jornalismo ainda se trabalhava com máquina de escrever. Anos depois, tinha a "sala da Internet", que tinha fila, tinha senha. Então isso ainda está acontecendo, é uma geração que ainda está passando por esse processo.

- Quantos correspondentes fixos O Globo tem hoje? Quais são e em que cidades eles ficam baseados?

Nos Estados Unidos, a Marília Martins, em Nova York, e o José Meirelles Passos, em Washington. Na América Latina, a Janaína Figueiredo, em Buenos Aires, que se tornou um pouco uma correspondente regional. Ela foi deslocada várias vezes pra outras coberturas. Na Europa: a Débora Berlinck, em Paris; Fernando Duarte, em Londres; e a gente tem como colaboradoras a Graça Magalhães-Rüether, em Berlim; a Vivian Oswald, em Moscou. Na Europa é isso. Na África a gente tem a Mônica Yanakiew, no Marrocos, uma colaboradora esporádica - a gente nem usa muito. Na Ásia, a gente tem o Gilberto Scofield Jr., em Pequim. Em Israel, a gente também tem uma colaboradora, que é a Renata Malkes.

- No caso que você citou da Janaína Figueiredo, que, como você citou, é muitas vezes deslocada pra outros países da região: do que depende vocês deslocarem ela em vez de usarem um material de agência ou apurar da redação?

Por proximidade geopolítica, países como Argentina, Chile, Peru, Colômbia e Bolívia - principalmente com essa "onda vermelha" que atingiu a América Latina recentemente -, isso tem influência direta na gente. Você vê a questão da Petrobras. Posso ficar aqui a tarde inteira explicando qual é o impacto que isso tem, não só na economia, como nos aspectos da política nacional. Então qualquer um desses eventos: se o Evo Morales vai decretar a nacionalização dos poços de gás, se o Chávez vai decretar que a PDVSA vai fazer não sei o quê, se o Peru resolve alguma coisa na fronteira... Esse tipo de coisa é muito importante pra gente, porque reflete diretamente. Na eleição presidencial argentina, por exemplo, a gente tá fazendo uma série de uma semana - é raríssimo a gente fazer isso. Mas tem essa importância na política nacional. A gente acha que é melhor deslocar a Janaína, porque você tem ali um diferencial. Agência manda o que quer, da maneira o que quer. Você, com repórter, tem acesso às suas próprias fontes, às suas próprias matérias, às suas próprias sacadas. No ano passado, quando a Janaina engravidou, nós recorremos muito a mandar os nossos próprios redatores também.

- Sobre essa questão da visão que têm as agências e a visão que teria um correspondente, vocês buscam ter uma visão nacional? Porque as agências, muitas vezes, têm uma visão própria dos fatos.

Claro. Eu diria que as agências têm uma pauta própria. Essa visão é genérica, porque as agências são uma espécie de "pool" - ela tem que atender a gente, o cara em Moscou e em Londres. Então é claro que a gente também tem que ter a nossa própria visão sobre esse tipo de assunto. Acho que essa é a diferença.

- Em 2006, O Globo contratou uma correspondente em Bombaim, na Índia, a Florência Costa. Como funcionou essa decisão por Bombaim? Ela já morava lá ou foi daqui?

A Florência é a nossa correspondente. Na verdade, ela é uma colaboradora fixa, que está em processo de se tornar uma correspondente. A Índia é um país emergente, importante, como a China. Acho que O Globo, hoje em dia, tem o maior corpo de correspondentes entre os jornais brasileiros.

- Como são escolhidas as cidades onde se estabelecem os correspondentes? Além dos custos, é claro, o que define a base dos correspondentes?

Primeiro pela importância geopolítica. Você não pode prescindir de um correspondente em Washington, que é o centro do poder mundial. Nova York, porque reverbera na economia e na cultura - já que esses correspondentes não trabalham só pra gente; eles trabalham pra todo o jornal, pra Cultura, pra Economia, enfim. Você também não pode prescindir de Buenos Aires, esse tipo de coisa. Agora, existem outros casos, como é o caso da Florência Costa, em que ela foi pra Bombaim - ela é uma jornalista conhecida -, ela foi pra Bombaim e nós propusemos a ela de se tornar nossa correspondente. Em Israel, por exemplo, quando a gente sente a necessidade de um colaborador, a gente entra em contato com jornalistas conhecidos que estão lá. A gente escolhe por isso: porque são centros potencialmente geradores de notícias importantes. No caso de Bombaim, por exemplo, foi isso. Foi uma oportunidade que surgiu. Mas isso significa um custo, então não é como se ela estivesse ali e nós resolvêssemos aproveitar. Existe um compromisso e o jornal acredita que Bombaim - a Índia, por ser um país emergente -, é importante que a gente tenha alguém lá. E jornalista brasileiro é uma coisa que tem em qualquer lugar, então a gente seleciona à medida que a gente acredita que aquele lugar é importante pro jornal.

- Esses correspondentes trabalham para outros veículos nos países onde eles estão baseados? Eles são bolsistas ou são fixos?

Não. Os colaboradores sim, mas os correspondentes não, eles são exclusivos. Eles recebem salário, mesmo, são fixos. O José Meirelles Passos está em Washington há 20 anos; a Marília está em Nova York há um ano, mas a anterior ficou quatro ou cinco; a Janaína está lá há mais ou menos 10 anos. Não é um esquema como é o da Folha, por exemplo. Na minha opinião, não tem como você formar um corpo de correspondentes, que conhecem o lugar onde eles estão baseados, em seis meses. Quando você começa a chegar perto, tá na hora de ir embora. Aqui a gente tem um corpo de colaboradores fixos, que recebem salário, e colaboradores que recebem por matéria.

- Nas últimas décadas, principalmente a partir dos anos 1990 e mais intensamente nos últimos anos, o corte de custos, o downsizing, tomou contas das redações brasileiras e atingiu em cheio a figura do correspondente. Muitos jornais perderam jornalistas no exterior. Como isso afetou a cobertura de assuntos internacionais d’O Globo?

Na verdade, O Globo não passou por isso. A gente teve um movimento inverso. A gente mudou a forma de tratar esse tipo de colaborador. O número de correspondentes fixos não diminuiu. Pelo contrário. Não são todos assalariados, mas a gente conseguiu, de alguma forma, ampliar o número de pessoas lá fora. Conosco foi exatamente o contrário. A gente aumentou ao invés de diminuir e isso agrega qualidade.

- O que o jornal – e a editoria, especificamente – perde com isso?

Perdem muito. Perdem notícia, perdem material de análise. Agora, por exemplo, com os incêndios na Califórnia: eu posso usar o material de agência, é claro. Mas se você for um correspondente na Califórnia, você vai tentar achar um personagem, uma fonte exclusiva pra uma entrevista. A agência manda pronto, eu não interajo com ela, entende? Eu não tenho como pautar uma agência. Eu não posso dizer: "Ah, eu queria muito saber qual é a diferença entre o que aconteceu no Katrina e o que está acontecendo agora". Só se a agência me mandar isso. Eu não posso pautar. O correspondente eu posso. Eu tive essa sacada: tem um monte de branco na história e no Katrina tinha um monte de negro, e aqui tem gente que tem dinheiro, antes não tinha... Eu pensei aqui, mas eu não posso ligar e pedir pra agência fazer. Pro correspondente eu posso. Eu ligo e digo: "Olha, tem essa matéria pra fazer". A gente faz muito isso, às vezes. Por exemplo, listas, números, infográficos, mapas. A gente pega o material de agência, reúne esses dados e deixa o correspondente solto pra fazer essas coisas. "Esquece a numerária e vai atrás de três personagens". Essa é a vantagem: é a sua visão, do jornal, sobre determinado assunto. É independência.

- E na Califórnia vocês não têm correspondente. Então como vocês resolveram isso?

É uma boa pergunta. Hoje, por exemplo, a gente está com a numerária toda, feita por aqui, por um redator que vai reunir quantos mil hectares foram queimados e outros números. E a gente vai pedir pra nossa correspondente em Nova York pra ver se consegue contatar consulado, pra ver como está a situação dos brasileiros. O Boa Viagem [caderno de turismo d'O Globo] deve trazer um material pra gente, pra ver se tem cancelamento de viagem.

- Que agências de notícias o jornal assina e em que idiomas?

EFE em espanhol, AP em inglês, Reuters em inglês e AFP em espanhol. Serviços a gente tem do New York Times, Washington Post, El País, The Independent e Los Angeles Times. Basicamente isso.

- Por que essas agências especificamente?

São as maiores, mesmo. A gente só não tem a ANSA, porque a ANSA agora tá fornecendo de graça pela Internet, aí às vezes a gente usa, às vezes não.

- Vocês recebem o conteúdo das agências com uma visão crítica ou a credibilidade desses serviços faz com que eles sejam aceitos como informações de qualidade?

Claro, a gente tem visão crítica do que a gente recebe. E não é nada maniqueísta do tipo "agências imperialistas". Não é isso. Tudo é apurado. Isso é uma mania, um tique profissional. Tudo você recebe e duvida de tudo. Claro que no dia que você tem alguma coisa acontecendo em Peshawar ou em Karachi, eu vou acreditar no conteúdo das agências. Eu não posso ficar ligando pra Karachi, pra saber quantas pessoas morreram. Uma agência diz que morreram 10, outra dá que morreram 20 e outra dá que morreram 21. EU tento tirar uma média disso. Você não tem como checar o tempo todo, principalmente porque você dedica mais o seu tempo de acordo com a importância que você tá dando ao assunto e de acordo com a capacidade que você tem de checar as coisas. O que a gente faz muitas vezes é agregar valor ao conteúdo da agência. Por exemplo, a gente tem na Venezuela alguma coisa acontecendo, a gente quer ouvir o que um analista quer dizer. Ou a Janaína faz de Buenos Aires ou a gente faz por aqui. Por isso que eu digo que é importante os redatores terem uma visão crítica, porque as agências têm sua maneira própria de ler o mundo. A gente tem que duvidar as vezes e pensar que isso que eles tão dizendo não é bem assim.

- Falando um pouco sobre o jornal, qual é a média diária de páginas que a editoria internacional tem?

Em geral, duas ou duas e meia. Hoje a gente pode falar que são três, porque a gente está numa crise. Esse ganho de espaço é uma negociação aqui na reunião de pauta de manhã.

- E no domingo? A editoria tem mais espaço?

No domingo, três páginas e meia. E quando eu digo três e meia, eu digo três e meia limpas pra texto.

- No domingo, o conteúdo é diferente? Foge da cobertura cotidiana?

É diferente, porque o domingo é o dia de "coroação" dessa reflexão. É bom você ter um domingo mais ou menos quente. Já aconteceu isso inúmeras vezes: a gente estava com um domingo programado pra fazer a abertura sobre o Zimbábue e a crise pela qual o Mugabe está passando não sei quantos anos depois da revolução. Aí durante a semana explode aquela merda lá em Mianmar. Fica muito estranho você abrir com o Zimbábue quando tem monge tomando porrada na rua. Então na sexta-feira a gente decidiu isso. Então o domingo é o dia em que você pode fazer uma reflexão sobre o que aconteceu na semana ou então buscar assuntos que não têm espaço dia de semana ou são idéias dos correspondentes. Mas se tem alguma coisa muito quente acontecendo durante a semana, a tendência é que você vá abordar aquele assunto no domingo.

- Queria entender um pouco como é definida a pauta. Como funcionam as decisões e o cotidiano de um dia de trabalho, até o fechamento?

Cheguei hoje às 10h da manhã. A rotina é essa: você chega, lê os jornais - você e os seus concorrentes, pra ver o que você não deu, o que você deu melhor, o que você falhou. Você dá uma geral na mídia - isso porque eu já venho pra cá ouvindo rádio. Isso é dever de ofício, mesmo. Eu venho ouvindo pra ver se você tem alguma pauta que já esteja em andamento. Aí, aqui, você abre o seu computador, dá uma olhada nas agências de notícias, vê o que elas estão dando, olha os principais sites, entra no New York Times, Washington Post, BBC, CNN (de vez em quando), El Pais (porque a gente tem o serviço), Times Online de Londres, Independent... Enfim, dá uma varrida geral nas agências de notícias e nos sites, e começa a definir a pauta. Isso é pra saber qual é o assunto mais quente do dia. Se não tiver nenhum assunto quente, saber no que você pode investir. "Hoje tá um dia morno, não tem nada. Então por que a gente não pega esse assunto?". Fala com os correspondentes, eles dizem o que estão pensando em fazer hoje e amanhã. Aí você constrói a pauta, os assuntos divididos por redator. Mas acontece que, ao longo do dia, as coisas mudam. No dia do atentado à Benazir Bhutto, por exemplo, ela não era a abertura da seção. A abertura da seção era a Turquia, se eu não me engano. Mas aí ela estava lá em carreata - linda e loura - e... Já eram 18h e pouco. A página fecha lá pelas 22h e pouco, 22h20. Mas a gente começa a fechar as coisas lá pelas 21h. Mas a gente já virou edição aqui faltando 20 minutos pras 22h. Saddam Hussein vai ser enforcado. Ninguém sabia. Mas aí estoura e fecha atrasado.

- Quando existe um assunto muito importante que vai acontecer depois do fechamento, como é o caso do Saddam Hussein, como vocês fazem?

Foi meia-noite e pouco. A gente teve uma trabalheira. Porque, na verdade, a gente sabia que ele não ia ser enforcado antes do primeiro clichê. O primeiro clichê fecha às 22h25, mais ou menos. A gente sabia que, até essa hora, ele não teria sido enforcado. O que a gente fez foi uma matéria que seria derrubada no segundo clichê, falando sobre a expectativa, comportamento, como as pessoas veriam, o que seria. Mas aí a gente já tava paralelamente preparando uma edição para o enforcamento, para depois que ele fosse enforcado. Entraria um perfil dele, notícia do enforcamento. Então o primeiro clichê a gente fechou com uma coisa que a gente tinha como coringa, mas que ia cair. No segundo clichê já entra a edição fechadinha. É o caos quando isso acontece, mas acontece.

- Voltando à pauta, como são as reuniões de pauta?

A primeira reunião de pauta acontece de manhã, com todos os editores: um editor-executivo e os editores ou editores-adjuntos de cada editoria. A gente vai e vende. A primeira página já vai decidindo o que vai fazer. E às 17h tem uma outra reunião com todos os editores. Aí se define como vai fechar o jornal, até porque mudam os assuntos. Então às vezes o que você vendeu de manhã não é mais o que você vende à tarde. Hoje, mesmo, eu vendi - a gente ia abrir com Argentina, uma série. Mas aí quando eu voltei pro meu computador, a Califórnia tava pegando fogo muito mais do que ontem. Aí eu fui lá dentro e falei: "Olha, a gente vai abrir com outra coisa". É dinâmico, não é nada fechado.

- Queria fazer uma pergunta ampla, mas que é importante: o que define o que é noticiável no Jornalismo Internacional?

É uma questão de experiência, de bom senso, mas sempre partindo de uma premissa básica - e não acadêmica: notícia é o incomum. Sempre. O que é notícia numa comunidade normal? "Eu fui à padaria e comprei três pães"? Não. "Eu fui à padaria e quebrei o pé". É um exemplo: notícia é o incomum. Notícia é o inesperado, é o que não é normal. Vou ser bem sincera. Por que quando morrem 15 na Índia não é notícia, mas quando morre um em Winsconsin pode ser? Porque é mais incomum. Infelizmente. Não estou falando sobre o papel da imprensa na banalização da morte, da violência. Isso é uma questão teórica. Isso é outra coisa. Agora, tecnicamente, é muito mais comum você ter 50 mortos no Iraque depois que a guerra começou do que você ter 30 mortos na Virginia Tech por um pistoleiro louco. A verdade é que se a gente fosse anunciar todos os atentados do Iraque, a gente pegaria um grande body count. A gente não teria mais nada. Cinqüenta hoje, 60 amanhã. É claro, é óbvio que se explode uma bomba no Iraque numa fila em que estavam trabalhadores ou crianças, não importam se são cinco ou se são 10. É a natureza. Não é como se existisse uma tabela e se não passou dos 50 não é notícia. Não é isso. Tudo depende das circunstâncias. Mas é isso. É bom senso, é um pouco de cinismo também. Não sejamos idealistas - tanto assim. Eu sou. Infelizmente, é uma indústria. Mas é o que eu estou te dizendo. O papel da mídia na banalização da violência, isso é outra coisa, é outra discussão. Na minha cabeça de editora, a coisa é pragmática e diária. Agora, posso te dizer que não é uma tabela. Podem morrer 500 em Bangladesh hoje numa enchente e não ser notícia e podem morrer dois em Bangladesh amanhã numa situação absurda e ser manchete do jornal. Depende do que está acontecendo.

- Eu me lembro da situação, em agosto deste ano, em que existiam 6 trabalhadores presos numa mina em Utah, nos Estados Unidos. Duas semanas depois, 300 mineiros ficaram presos na China. Em alguns veículos, a cobertura dos americanos durou vários dias, com suíte atrás de suíte, e na China, o espaço foi muito pequeno.

Mas aí, é claro que, se você parar pra pensar: "Estou falando de vidas humanas e isso é trágico em qualquer lugar" - é óbvio, mea culpa. Eu trabalhei na ONU durante cinco anos e briguei muito pra tentar transformar essas coisas em coisas denunciáveis, cada vez mais. É porque as pessoas também não vêem o que não sai nos jornais. Toda semana, 300, 400, 500 mineiros são soterrados. E aquele de Utah, eu lembro que teve uma particularidade, que foi uma coisa irônica horrorosa. Os caras disseram que estava todo mundo vivo, que tinham ouvido pelo rádio. Na verdade estava todo mundo morto. Então tinha um drama humano, que tava acontecendo, que era incomum, por ser num país rico, nos Estados Unidos, por ter tido essa particularidade de eles terem dito pras famílias que estavam todos vivos. As famílias festejaram e não era nada disso. Então tinha um drama pessoal. E é triste não ver isso, mas é verdade. É a mesma máquina do Iraque. Porque, se não, você só vai ler nos jornais esse tipo de notícia. Tragédia, o mundo é feito disso. Infelizmente. O jornalismo, nem tanto. Se a gente só fosse cobrir isso, a gente só faria isso. Agora, não estou dizendo que a imprensa não tem culpa. Tem sim.

- Você adoraria ser idealista e mudar isso tudo?

Mas eu acho que a gente consegue de algumas maneiras. Eu acho que a gente, algumas vezes, consegue fazer isso. Eu acho que você pode, por exemplo, não cumprir isso botando os 300 mineiros chineses em pé de igualdade com os seis americanos. Mas você pode tentar mudar isso como alguns de nós fizemos. Eu, ano passado, fui pra um campo de refugiados da África. Passei dois meses fazendo uma série especial. A outra foi pro Congo fazer a Aids, o outro vai pra não sei aonde, eu acabei de voltar do Curdistão do Irã. Você consegue trazer pra cima alguns assuntos que estão abaixo do solo. Mas isso é um esforço grande. Porque tem grana, tem questões de segurança, tem questões pessoais. Tecnológicas nem tanto. Mesmo nos maiores buracos do mundo, eu tinha Internet, eu me surpreendi, até.

- Por que, na sua opinião, a África figura com tão pouca freqüência no noticiário internacional brasileiro?

Eu poderia ficar cinco dias falando sobre isso. Eu acho que, infelizmente, isso acontece por dois aspectos. Primeiro o que se acha e depois o que é, na verdade. Acho que, infelizmente, a África - não só aqui no Brasil, mas na América Latina e talvez na Ásia também -, ela se tornou sinônimo de um continente povoado apenas por barbárie, matança e doença. E tirando a fome da década de 1970, em Biafra, que aquilo se tornou popular - aquelas crianças famélicas, com aqueles olhos enormes, aquelas cenas tristíssimas. Tirando aquilo ali, eu acho que a África foi caindo num grande esquecimento, como com o Iraque está acontecendo agora. A repetição do mesmo drama. É triste. Agora, isso é um aspecto. O segundo aspecto do primeiro fator é: se você for comparar com a imprensa européia e como ela trata a África. Por que? Porque ela tem uma relação mais próxima. De economia, por ter sido colonizadora. Você tem milhares de imigrantes. No Norte também, mas também em outros lugares. Você tem o Congo Belga; a Etiópia, com a Itália; a Somália, também com a Itália; você tem Ruanda, com a Bélgica. A África negra também tem uma relação com a Europa. O Norte tem muito ali com França e Espanha. De qualquer maneira, não é só uma relação de antiga colônia, como uma relação de presença maciça de imigrantes ali. Então os problemas africanos têm muito mais respeito, porque eles acabam terminando numa horda de ilegais que entram ali, então interessam a eles. Tem empresas, tem parentes, tem famílias. Então tem uma relação muito mais próxima do que a gente tem. Você pode argumentar que a gente tem uma ligação cultural e lingüística com alguns países da África. Temos, claro. E eu acho que é uma falha. Me agrada a maneira como a gente cobre a África? Claro que não. Eu gostaria que fosse muito mais presente. Eu acho que é uma falha. Eu acho que é uma tristeza que a gente não consiga olhar pra África e encontrar nela coisas que sejam de cunho normal, mas eu acho que é isso. Estou sendo pragmática e cínica com você. A África se tornou sinônimo de algo que é a repetição de um mesmo tema, que é a tragédia. Agora, volto a te dizer: eu, ano passado, consegui ir pra lá e o jornal bancou e eu passei dois meses e foi um especial de três ou quatro dias, com quatro, cinco páginas.

- Quem sugeriu essa cobertura?

Eu! Porque eu tinha trabalhado na ONU, tenho contato com essas organizações até hoje, porque a "crise prolongada" - como eles chamam - é um assunto que eu estudo particularmente, é um assunto que me interessa. Então surgiu a oportunidade, com um apoio logístico das Nações Unidas e o jornal pagou a viagem. Foi ótimo. Uma outra menina que foi pro Congo pra fazer um especial sobre a Aids. Agora, a gente tem um projeto em andamento pro ano que vem, que a gente não pode falar, mas que envolve a África também. Então, não é que a gente esteja desatento. Pelo contrário. Aqui só tem gente - eu não gosto desse tipo de definição, "de esquerda" -, mas são humanistas. A gente tenta ir burlando esse tipo de coisa. Mas é isso. Nós não temos essa relação orgânica com a África que as antigas metrópoles têm; a África, infelizmente, se tornou sinônimo de tragédia. Mas a gente vai tentando quebrar ali, na medida do possível e do nosso interesse pessoal, tentando passar no jornal - e, justiça seja feita, o jornal abraçou isso. A gente tenta também subverter.

- Se existisse mais verba e mais espaço no jornal para a editoria internacional, isso seria diferente?

Não. Acho que não. Acho que se a gente tivesse mais verba pra correspondentes hoje - e, volto a dizer, isso não é a minha opinião, é meu parecer técnico -, a gente talvez teria um fixo em Moscou. Eu não vejo hoje a gente tendo um correspondente em Joanesburgo. Nem com mais espaço vejo a África sendo mais coberta. Não. Acho que isso teria que ser uma revolução de mentalidade. Não tem a ver com grana.

- Você acha que a imprensa brasileira é influenciada pela pauta da mídia americana? Isso é um defeito?

Eu acho que é inútil eu dizer que não. Eu não acho que a gente tenha, de maneira alguma, que a gente seja biased, como eles gostam de falar, parcial. De maneira alguma. Se você parar para ver, O Globo é um dos jornais que mais sentaram o sarrafo no Bush. Eu lembro que a rubrica do caderno era "A guerra de Bush", da Guerra do Iraque. Eu acho que a posição é supercrítica. Toda vez que tem alguma coisa que se julga aqui que ele está ultrapassando os limites das liberdades civis, que ele está ultrapassando os limites da lógica, algumas vezes, é denunciado. Mas se você for me perguntar se o jornalismo brasileiro é pautado pelo que acontece nos Estados Unidos: sim. Como tudo no mundo. A gente não pode ignorar e nem deve. A gente nem deve ignorar o país, a potência que ainda rege a política internacional. Não tem como. Seria tolo.

- Se os americanos não estivessem no Iraque, o confronto entre o exército turco e os curdos do norte do país seria notícia com o mesmo destaque que está sendo dado hoje?

Claro que não. Porque essas escaramuças regionais, elas existem há muito mais tempo que a guerra. A batalha ali com os curdos naquela região da Turquia e no Iraque por um Estado nacional precede em muitas décadas a Guerra do Iraque. E nunca foi grande alvo de atenção. O problema é que agora você tem um país conflagrado. O norte, onde fica o Curdistão, é a área mais estável do país e está ameaçando ferrar aquilo ali também. Claro que não teria a mesma dimensão. De jeito nenhum.

- Mas os Estados Unidos ocupando o Iraque chamaram a atenção para aquela região?

Claro.

- De alguma maneira você estudam o interesse do público sobre determinados assuntos? Na hora de fazer a pauta, vocês pensam no que vai interessar mais os leitores?

Claro. O tempo todo. Hoje, por exemplo, a gente ia dar continuidade a essa série da Argentina como abertura. Mas aí você vê a Califórnia, que é um lugar de destino de tantos turistas brasileiros, é o lugar de sonhos de tanta gente. "It never rains in California", não tem isso? Então, é muito mais próximo. Claro. O tempo todo a gente é pautado por isso. Tem dias que a gente deixa de dar alguma coisa que seja muito pesadamente político, intrincado, pra dar um feature sobre "A máfia gera 1,2 bilhão de dólares por ano". Porque aquilo é mais interessante do que se o Bush falou que o escudo de defesa antimísseis pode levar dois meses e um dia a mais do que ele tinha dito antes. Claro. A gente pensa no leitor o tempo todo. Editar, além de escolher, é você colocar o que imprescindível no noticiário e o que desperta a sua atenção, também. Porque você também é leitor. Então é isso. O leitor pauta a gente o tempo todo.

- Um dos aspectos da noticiabilidade é a continuidade: se um assunto está nas páginas de um jornal num dia, ele tem mais chances de ser publicado no dia seguinte. Você acha que a ausência de alguns assuntos e regiões nas pautas das editorias internacionais prejudica essa cobertura?

Uma inércia, claro. Mas não imagine que isso é deliberado. Eu sempre digo isso quando alguém vem aqui ou que eu converso com alguém. Eu já fui e continuo sendo estudante, o tempo todo. Eu lembro de quando eu estava na faculdade. Algumas vezes, a gente tende a achar que existe uma diretriz. "Não se dá África ou se dá África tantos por cento". Não existe diretriz nenhuma. A gente faz jornal errando e acertando todos os dias. Não ache em momento algum que isso é uma coisa deliberada. Isso é uma coisa pautada pelo espaço, pela pressão do que é "imprescindível" dar. E por um fato muito triste, que é isso que a gente estava conversando, que é a África ter se tornado esse sinônimo de tragédia. Mas é o que eu digo: é uma inércia belissimamente rompida uma ou duas ou três ou quatro vezes na sua carreira por pessoas que são preocupadas com isso. O jornalismo não é uma máquina. Ele é feito por gente, por pessoas. A gente, sempre que consegue, rompe isso. Decidir o que é notícia não é uma decisão matemática. É humano. E, por isso, é passível de erro, também. Infelizmente, a África eu acho um grande erro.
Entrevista com Claudia Antunes
Editora-chefe de internacional da Folha de S. Paulo
Concedida por telefone
Dia 27 de outubro de 2007


- Qual é a estrutura da editoria de Inter da Folha de S. Paulo? Quantos redatores etc.

Aqui é uma equipe pequena. Relativamente pequena, mas acho que é mais ou menos como em todos os jornais. Na Folha sou eu, que sou a editora, tem uma editora-adjunta e tem seis redatores-repórteres - incluindo a pauteira. São oito pessoas na editoria. Tem uma pauteira fixa que chegue de manhã cedo e sai mais cedo, também. É uma pauteira fixa e cinco redatores. Eu digo redatores-repórteres, porque a maioria das pessoas que trabalha aqui não é só um redator "clássico". São pessoas que também fazem reportagem, que viajam, fazem reportagem da redação, tem uma responsabilidade muito maior nisso do que tinha, por exemplo, quando eu entrei. Eu comecei a trabalhar em Internacional em 1982 e, na época, não tinha Internet, não tinha TV a cabo, então, basicamente os jornais tinham mais correspondentes no exterior, mas por outro lado, a redação era muito mais dependente das agências de notícias, que eram a fonte básica da informação - a fonte quase única da informação. Os jornais estrangeiros demoravam três dias pra chegar ao Brasil, como o Le Monde ou o New York Times. Hoje, eu estou fazendo uma matéria sobre a Índia e você pode ver o que os jornais da Índia estão dizendo. Ou da Argentina, Equador, China, qualquer país. Você pode ter fontes no exterior, os governos têm páginas na Internet, associações, institutos. Então ficou muito mais fácil, porque ampliou-se o leque de fontes a que você tem acesso.

- Esse número é grande ou pequeno na comparação com outras editorias, levando em conta o número de páginas de cada um e o volume de trabalho?

Eu acho que é pequeno, porque o número de páginas não significa uma equivalência. A editoria de Brasil, por exemplo, aqui em São Paulo, tem muito mais gente, mas é uma editoria em que 80% do noticiário é feito pela sucursal de Brasília. Não é produzido aqui em São Paulo. Então tem aquela coisa dor edator mais clássico, que é o cara que titula, corta - o copydesk. E aqui, as pessoas trabalham muito mais. O ideal era ter equipes maiores, não em função do que é publicado a cada dia, mas para você ter mais tempo e deixar pessoas livres para que elas pudessem fazer matérias especiais. Por isso eu acho que é um número pequeno.

- Como funciona o trabalho dos redatores? Você os chama de redatores-repórteres porque eles costumam fazer apuração por telefone ou pela Internet além do trabalho de redação?

Eles estão habilitados a fazer entrevistas que eventualmente possa completar as matérias que eles estão fazendo pro dia e eles estão habilitador a viajar e fazer coberturas fora do Brasil. A maioria das pessoas aqui tem alguma experiência de reportagem internacional.

- Os redatores costumam buscar muitas fontes fora das agências, como governos, especialistas, professores?

Razoavelmente, na medida do possível. É por isso que eu digo que tem uma equipe pequena: porque nem sempre dá pra você fazer isso todos os dias. Tem dias que você tem que pegar as agências, pegar os jornais e fazer a matéria. Não dá pra você ligar pra um especialista ou tentar falar com alguém. Se você quiser, você tem a possibilidade de fazer checagem de dados, por exemplo, pela Internet. É muito mais fácil fazer isso hoje em dia dentro da redação do que era antigamente.

- Quantos correspondentes fixos a Folha tem hoje? Quais são e em que cidades eles ficam baseados?

A Folha tem só cinco correspondentes fixos. Mas na Folha é um pouco diferente. A Folha tem aquele esquema de correspondente-bolsista. A Folha só tem um correspondente sênior, que é o Sérgio D'Ávila, que tá em Washington, agora. O Sérgio trabalha há muito tempo no jornal, já tinha morado em Washington antes, cobriu a Guerra do Iraque, já fez um monte de coberturas pelo mundo. E tem dois cargos de correspondente-bolsista, que são Buenos Aires e Nova York. Correspondente-bolsista é assim: tem um concurso interno na Folha, a pessoa fica lá por um período de nove meses e depois outra vai substituir. Geralmente são pessoas mais novas, jovens promissores. E temos uma pessoa em Caracas, que é o Fabiano Maisonnave, que era um repórter aqui da equipe de Mundo, que sempre foi repórter, trabalhou na Agência Folha em Campo Grande, depois foi correspondente-bolsista em Washington, na época que Washington era correspondente-bolsista também e no início desse ano, quando o jornal decidiu criar essa correspondência em Caracas, ele foi mandado pra lá. Então ele não é correspondente-bolsista. Ele é um repórter que cobre América Latina há muito tempo.

- E quem são os outros correspondentes?

Buenos Aires, agora, é o Rodrigo Rötzsch. Nova York é uma menina chamada Denyse Godoy. Londres não tem ninguém. O jornal só tem um correspondente fixo na Europa e trocou Londres por Genebra. Como é o primeiro posto de correspondência, a pessoa chegou lá há três semanas e agora está na Turquia. É o Marcelo Ninio, que é redator de Mundo, repórter superveterano, cobriu a Guerra do Líbano e foi indicado pra esse posto, foi uma nomeação. A idéia é viajar e poder cobrir da Europa, que foi uma das razões por que o jornal decidiu trocar Londres por Genebra. Londres é meio insularizado e não é exatamente "Europa". O que o jornal tem são freelancers, pessoas que fazem eventualmente matérias pro jornal. Em Londres tem até, atualmente, duas pessoas que eram repórteres do jornal e que ganharam bolsas. Um está estudando na London School e o outro não sei onde. Os dois têm contratos de colaboração fixa, mas não com a intensidade do correspondente e nem com o compromisso diário de um correspondente. E tem outros freelas, que ganham por matéria, em Madri, Paris etc.

- Quando existe um colaborador disponível no país onde aconteceu um evento, vocês buscam sempre fazer a reportagem com ele ou depende do tamanho do evento?

Depende do tamanho do negócio, porque às vezes não vale a pena. Depende da prioridade que você quer dar para aquilo. Quando o cara é correspondente fixo, independentemente do tamanho, a não ser que o ele esteja envolvido numa apuração pra uma matéria especial, ele acaba fazendo a matéria, independentemente do destaque que ela vai ter na edição. Mas quando não é correspondente fixo, quando é freelancer - ou no caso desses dois de Londres -, eu só peço matéria quando realmente é matéria que é prioridade pra mim, que vai ser um abre de seção, que vai ser uma especial.

- Nas últimas décadas, principalmente a partir dos anos 1990 e mais intensamente nos últimos anos, o corte de custos tomou contas das redações brasileiras e atingiu em cheio a figura do correspondente. Muitos jornais perderam jornalistas no exterior. Isso aconteceu com a Folha?

A Folha, como todos os jornais, perdeu muito. Aí no Rio, por exemplo, o Jornal do Brasil. Todo mundo tinha correspondente. A Folha já teve correspondente em Tóquio, em Moscou, em Pequim, em vários lugares da Europa. O Jornal do Brasil, também, já teve correspondentes em um monte de lugares. E todo mundo cortou. Isso foi geral.

- E o que você acha que a editoria internacional da Folha perdeu com isso? O que a falta da figura do correspondente provocou?

Quando eu entrei no jornal, o New York Times demorava três dias pra chegar aqui no Brasil, os redatores que trabalhavam em Mundo eram excessivamente dependentes do noticiário que as agências mandavam, não tinha Internet etc. Então, às vezes, o correspondente nem fazia um trabalho tão diferenciado assim. O cara sentava no escritório dele, lia todos os jornais, via televisão e mandava uma matéria. Uma matéria factual, mas com alguém que falava com conhecimento de causa e conhece a situação. Obviamente não era como uma matéria de agência. Eu acho que, mais do que ter correspondentes, os jornais podiam mandar mais gente pra fora, pra reportagens especiais ou pra coberturas. Na Folha, normalmente se existe alguma coisa que o jornal considera relevante, o jornal manda um enviado especial. O jornal teve, durante um ano, uma correspondente em Pequim, que foi a Cláudia Trevisan; resolveu tirar por razões financeiras. Mas agora, quando teve o Congresso do Partido Comunista, ela voltou lá, passou dez dias lá. Da mesma maneira, quando teve a Guerra do Líbano, o jornal mandou alguém. Assim como mandou o cara agora pra Turquia. Fora dessas emergências, dessas pautas de interesse geral, é mais difícil você convencer o jornal a investir numa viagem quando é uma pauta menos "quente", vamos dizer assim - embora ela possa se tornar quente. Acho que existe essa limitação. Então se o jornal estivesse mandando mais gente pra viajar ou tivesse mais essa possibilidade de ter mais correspondentes, que fossem mais itinerantes, mesmo - isso seria mais legal do que voltar a ter 20 correspondentes fixos no exterior.

- Como são escolhidas as cidades onde o jornal estabelece correspondentes fixos? E onde vocês procuram colaboradores? A editoria escolhe as cidades?

O correspondente fixo, que é o negócio do jornal, é uma coisa que tem esse critério: o jornal acha que aquele lugar é importante, tem uma importância geopolítica, o que acontece ali é importante pro Brasil ou pro mundo. Assim o jornal escolhe esses lugares. Os freelas são diferentes. Os freelas, geralmente, não é a gente que escolhe. Os freelas são brasileiros que vão para aquele lugar - geralmente Europa ou Estados Unidos, porque os países da Ásia não dão muita bolsa pra brasileiro estudar. É uma coisa meio aleatória. Então o cara entra em contato com o jornal, pergunta se quer que faça matéria e faz. Mas o cara não sobrevive disso. O cara pode fazer uma matéria por mês e ganhar US$ 150. Mas os correspondentes fixos realmente obedecem a esse cálculo. Eu ainda acho que cálculo financeiro é mais importante, porque se o cálculo geopolítico fosse importante, o jornal não teria tirado uma pessoa da China, por exemplo.

- Uma pergunta mais específica: por que não existe nenhum correspondente do jornal na África? Existem colaboradores?

Não, o jornal não tem e acho que nenhum jornal tem um correspondente fixo na África. Acho que é muito difícil. Fora alguns acontecimentos - como o fim do apartheid na Áfria do Sul ou o massacre em Ruanda, Burundi - a África, durante os anos 1990, perdeu um pouco a importância geopolítica. Acho que isso contribuiu muito pra esse cenário. Não que os jornais já tenham tido correspondentes na África, que eu me lembre. Mesmo quando os jornais tinham correspondente em tudo quanto é lugar, nunca tiveram correspondente na África. Com o fim da Guerra Fria, acabou aquele confronto por procuração, teve acordo de paz em Angola e em Moçambique. Claro que os países continuaram com dificuldades, miseráveis, mas houve um refluxo do noticiário internacional, como aconteceu durante todos os anos 1990. E esse refluxo foi mais significativo pra África, que ficou um pouco fora dessa onda liberal, globalizante dos anos 1990. Acho que isso está mudando um pouco agora. Acho que está claro que a África está virando uma nova fronteira de exploração econômica, mas eu não acho que os jornais tenham percebido isso. Eu não acho que para o jornal isso tenha batido: "É importante a gente cobrir a África, ter um correspondente lá". Embora eu seja favorável a isso, eu acho muito difícil. Pode ser que eles mudem de idéia em dois meses, mas pelo que eu tenho visto aqui, acho muito difícil que, no curto prazo, eles decidam mandar uma pessoa pra ficar baseada, por exemplo, numa capital africana e viajar pelo continente. A Folha tem uma menina, que está em negociação com o jornal, que está em Nairóbi, no Quênia, e que está tentando ser uma freela fixa na África. Sobre isso, o jornal ainda não decidiu. É claro que eu sou a favor. Acho que existe um monte de matérias pra fazer. Ao contrário do que a gente possa pensar, é caríssimo ficar na África. Eu sei porque um repórter da Folha que foi cobrir a visita do Lula, agora, ficou mais uns dias em Angola pra fazer matéria e é tudo caro, porque tudo é importado - da comida aos bens mais essenciais. Dependendo de onde você estiver na África, você tem que fazer escala na Europa pra viajar dentro da própria África. Tem muito lugar que não tem conexão aérea, ferroviária, nem nada. Talvez a África do Sul seja o país que mais tenha conexões aéreas dentro da África. Em muitos lugares, pra você ir pra outro país africano - que pode ser até próximo -, você precisa voltar pra Europa. É uma coisa cara. Se você pegar os jornais estrangeiros, o Financial Times, principalmente os jornais de economia, eles intensificaram demais a cobertura de África nos últimos dois anos. Principalmente por causa das matérias-primas, petróleo, minerais, toda essa disputa por isso, fora a questão da África do Norte. Acho que existe uma tendência que é mundial, de uma revalorização do noticiário da África, mas acho que isso vai demorar a chegar nos jornais brasileiros.

- Que agências de notícias o jornal assina e em que idiomas?

A Folha assina as tradicionais. Reuters, em inglês; Associated Press, em inglês; a France-Presse, em espanhol; a EFE, em espanhol; e a ANSA, em espanhol - mas eles mandam pouca coisa. Existem umas agências menores, que você pode comprar um artigo ou não, mas essas são as principais.

- Vocês recebem o conteúdo das agências com uma visão crítica ou a credibilidade desses serviços faz com que eles sejam aceitos como informações de qualidade? Existe uma tentativa de questionar o que é despachado, já que podem se tratar de visões pré-concebidas de determinados fatos?

Eu acho que as agências dificilmente erram informação, porque existe uma competição muito forte entre elas, então sobre essa questão da informação, elas precisam ter uma credibilidade. Se ela diz uma bomba explodiu em tal lugar, que existem cinco feridos e que o número de feridos pode aumentar, essa informação objetiva tem 90% de chances de estar certa e, se não estiver, eles corrigem cinco minutos depoias. Mas, obviamente, o noticiário das agências é um noticiário muito incompleto. E se a pessoa que estiver fazendo não estiver acompanhando aquele assunto em profundidade, não souber a história daquele caso, ela vai fazer um noticiário que não se justifica: vai fazer uma coisa incompleta. Eu acho que as agências usam muito pouca análise. Elas tentam manipular o mínimo, mas, na visão do passado – e todo acontecimento tem um passado por trás dele –, elas estão condicionadas a uma ideologia, no sentido de um pensamento hegemônico daquela região. Por que essas agências são as principais agências? Por que França, Espanha e esses outros países têm agências de notícias? Porque esses países tiveram colônias no mundo inteiro e precisaram estabelecer uma comunicação entre a metrópole e a sua colônia. Então isso é uma coisa que está embutida, mas não que você vê diretamente. A questão das agências não é que elas sejam manipuladoras. O problema são as pessoas que lidam com as agências. E não estou nem eximindo a Folha disso. Aqui tem algumas pessoas que fazem matérias de assuntos que conhecem e outras que pegam o assunto na primeira vez pra fazer, que não conhecem. Acho que o problema é de quem faz. A ignorância é de quem está fazendo, suando aquele material. Você precisa de muito mais informação pra entender do que as agências te dão no noticiário cotidiano.

- A Internet facilita o contato entre as informações disponíveis nas agências e os leitores. A televisão também torna mais imediato esse acesso à informação factual. A editoria internacional tenta contornar isso com um conteúdo diferenciado?

Tenta, com certeza. Acho que todas as editorias de jornal hoje tentam fazer um conteúdo diferenciado em relação ao que sai nos noticiários online, principalmente no Brasil, que são superprecários. A Folha Online não tem nada a ver com a Folha. Eu acho que essa diferença se traduz na própria ordem da edição. Nos noticiários online, a notícia mais lida sempre é uma notícia mais ligada a um faît-divers ou mais ligada ao campo das celebridades. E acho que a hierarquia que o jornal estabelece é uma hierarquia diferente do que o que os online dão. E não só hierarquia, mas o jornal também dá assuntos que o online não dá. Acho que o jornal tenta fazer essa diferenciação e tenta, quando tem mais tempo, fazer um texto um pouquinho melhor do que a qualidade média dos online.

- Sobre o jornal, qual é a média diária de páginas que a editoria internacional tem?

A média são três páginas nos dias de semana; cinco, seis páginas no domingo. Isso depende muito - e não depende muito do noticiário, depende do anúncio. Se tem muito anúncio, tem muita página. Se tem pouco anúncio, tem pouca página. A não ser que, obviamente, tenha uma crise, uma III Guerra Mundial, alguma coisa equivalente. Aí o jornal abre espaço, abre página branca, gasta papel. É claro que eu estou exagerando: tem a ver com a importância do noticiário. Mas essa importância é uma coisa negociada. O que eu acho superlegal, superimportante, talvez a direção da redação pode não achar naquele dia. Ou não é prioridade ou a prioridade é outra coisa que está acontecendo na editoria de Brasil ou de Dinheiro. Mas, em linhas gerais, fora essa avaliação sempre negociada - às vezes coincide, mas às vezes não há coincidência do que eu acho interessante e do que a primeira página acha interessante -, o que determina é o anúncio. Hoje, sábado, a Internacional tem seis páginas. Tem Mundo 2, porque tinha muito anúncio no jornal.

- Essa cobertura de domingo é diferenciada? Vocês fogem da cobertura cotidiana?

Essa é a idéia da cobertura de domingo - e sábado também. Você pressupõe que as pessoas têm mais tempo pra ler, que muitas pessoas não leram o jornal durante a semana. E são os dias em que o jornal é mais lido. Como tem mais espaço, você pode dar coisas maiores, mais legais, ou o que não seja o factual.

- Como funciona a definição da pauta? Como funcionam as decisões e o cotidiano de um dia de trabalho, até o fechamento?

A pauta sempre começa no dia anterior. Normalmente você tem uma agenda de assuntos que você está acompanhando, que você considera importantes. E eu ou a editora-adjunta deixamos um bilhete pra pauteira com outros assuntos. Se você vai ter uma cúpula Rússia-União Européia, que o Putin vai. Isso a gente já sabe e está há três semanas na nossa agenda. Mas existem coisas que aconteceram de noite e que vão precisar de suite ou coisas que chegaram tarde e a gente acha que merece dar melhor do que a gente conseguiu dar, uma notinha. Então tem que ir atrás, pedir matéria pra correspondente. Você já deixa uma orientação sobre tudo isso pro pauteiro. Ele chega aqui no jornal às 8h da manhã, às 9h tem uma reunião de toda a redação - uma reunião de produção do dia. Às vezes a secretaria de redação faz alguns pedidos. Eu chego 11h30, tem uma outra reunião da redação inteira 12h. Depois 13h30, 14h, tem uma reunião da editoria. Tem gente que já está fazendo a matéria que foi determinada no dia anterior ou três dias atrás pra ser publicada no dia seguinte. E tem gente que não está fazendo nada e vai entrar na pauta do dia. Nessa reunião, você discute a pauta do dia. E essa reunião define, mais ou menos, a edição do dia seguinte, mas é claro que isso pode ser mudado, porque pode acontecer alguma coisa que derrube ou que torne menos importante o que você já tinha planejado.

- E qual o horário de fechamento?

A Folha tem dois fechamentos. A edição nacional fecha às 20h e a edição São Paulo/Brasília fecha às 23h.

- Na sua opinião, por que a África figura com tão pouca freqüência no noticiário internacional brasileiro?

Acho que, aqui, as pessoas estão demorando muito a se dar conta de que o continente está atingindo uma nova importância. A relação com do Brasil com os países africanos não está tão óbvia, nem tão relevante do ponto de vista econômico, quanto está a relação do Brasil com os outros países da América do Sul, com a América Latina, em geral. E também porque a África não aparece o tempo todo nos noticiários online. Vários fatores contribuem pra isso. Acho que as pessoas, em geral, ainda não fizeram uma reavaliação do que pode ser importante na África.

- Se a editoria internacional tivesse mais espaço ou mais recursos, isso seria diferente?

Não sei, realmente. Acho que a pauta das editorias internacionais mudou muito e se ampliou muito. Os países da América Latina, em geral, ganharam um espaço muito maior. Acho que a Ásia também ganhou um espaço muito maior. Acho que a Europa, de uma certa forma, perdeu espaço, em relação ao que era publicado, por exemplo, nos anos 1980, quando os jornais tinham cinco correspondentes em capitais européias.

- Aproveitando: por que você acha que alguns países e algumas regiões ganham mais importância na pauta brasileira?

Acho que é uma coisa de poder. Poder e relação. Os jornalistas não estão completamente afastados. Acho que os jornais brasileiros estão começando a ter uma agenda própria. Agenda que não é exatamente como a do New York Times ou do Le Monde. Esses dois jornais vão fazer uma cobertura sobre países que são importantes para eles.

- Você acha que a imprensa brasileira é ou era influenciada pela pauta da mídia americana?

Acho que era muito mais do que é hoje. Não estou falando em geral. A Folha, por exemplo, era mais. Na época da Guerra Fria, era outra coisa. Existia essa polarização. Todos os conflitos podiam, de uma certa forma, ser enquadrados dentro dessa polarização e acho que o mundo ficou mais complexo. Houve um pouco de refluxo da política internacional nos anos 1990, quando tudo ficou relacionado ao comércio e o noticiário da política internacional migrou muito pra economia. Na verdade, o que eu tento fazer é reincorporar a economia na política. Acho que hoje a influência da pauta americana nos jornais brasileiros mudou, mas não completamente. Hoje, se um estudante mata um monte de pessoas num campus americano, as televisões vão gritar e eu vou ter que dar isso! Não tem muita conversa. Acho que existe uma influência, mas é muito menor do que era.

- Em agosto, seis mineiros americanos ficaram presos depois do desmoronamento de uma mina em Utah e, duas semanas depois, 300 mineiros chineses morreram em outro acidente. Nesse caso, a imprensa e a televisão, em particular, deu muito mais atenção aos americanos. Por que isso acontece?

Nesse caso, nós não demos nenhuma matéria sobre os mineiros de Utah e nós demos uma matéria enorme sobre os mineiros da China, principalmente por causa do conflito social que aquilo representava. Mas a TV sofre mais, porque é muito dependente de imagem e um serviço de imagem é muito mais caro do que um serviço de texto. O serviço de imagem é muito mais excludente de outras pautas do que o serviço de texto. A matéria-prima com que a TV trabalha é mais cara e mais centralizada.

- Analisando um caso específico: se os americanos não estivessem ocupando Iraque, o confronto entre o exército turco e os curdos do norte do país seria notícia com o mesmo destaque que está sendo dado hoje?

Não, claro que não. Mas também esse conflito só está acontecendo porque os americanos estão ocupando o Iraque. E porque, independentemente, é um caso importante. A Turquia e os Estados Unidos estão na OTAN. Na época do Saddam Hussein, mesmo que os curdos no norte do Iraque tivessem certa autonomia, o Saddam era muito mais duro em relação à coisa da fronteira. Quem controla o norte do Iraque efetivamente agora são os curdos do Iraque - e é a única região que os Estados Unidos consideram relativamente tranqüila no Iraque. Obviamente a Turquia está em pânico. É óbvio que a Turquia é importante. A Turquia fica entre a Europa e o Oriente, a Turquia acabou de assinar um acordo de fornecimento de gás com o Irã, a Turquia é da OTAN, a Turquia quer entrar na União Européia - mas a França não quer que a Turquia entre. Isso tem a ver com o negócio do Iraque, mas é claro que isso é importante! Se você não julgar assim, você cai num outro raciocínio: "Ah, então porque os Estados Unidos estão lá, eu também não vou dar. Não é importante". É meio idiota.

- Vocês estudam a resposta e o interesse do público sobre determinados assuntos? O que interessa mais os leitores da Folha? Você acha que informar sobre outros assuntos pode provocar um novo olhar e o interesse por temas, países e regiões diferentes?

O público está pagando a gente pra escolher o que eles querem. O jornal faz pesquisas, mas a coisa mais incrível é que o leitor nunca diz o que ele quer. O leitor acha tudo ótimo, em geral. E os leitores de jornais de informação geral são leitores superelitizados, se você comparar com o resto da população. Na verdade, eu acho que cabe a você. E eu não duvido que existam leitores e professores que tenham interesse por temas específicos e que gostariam de ver mais matérias no jornal sobre áreas de seu interesse específico. A média dos leitores, eles não apontam muito o que eles querem ler. Acho que isso é mais uma indicação que é de responsabilidade do jornalista. Mas é claro que informar sobre assuntos diferentes pode provocar o interesse por esses temas.
Entrevista com Roberto Lameirinhas
Subeditor de internacional de O Estado de S. Paulo
Concedida por telefone
Dia 12 de novembro de 2007


- Como funciona a estrutura da editoria de Inter do Estadão? Quantas pessoas trabalham entre editor-chefe, subeditores e redatores?

Aqui a gente tem nove pessoas. Seis redatores, que na verdade são editores-assistentes; temos um editor-chefe, que é o Eduardo Barella; um subeditor, que sou eu; e uma chefe de reportagem, que é a Leda Balbino. Além dessa estrutura, a gente conta com a equipe de tradutores, que trabalha pra todo o jornal - são três pessoas. E tem a equipe de correspondentes, que é coordenada por um "mesão", que é independente, que trabalha também pra todo o jornal. Mas é claro que o grosso da produção deles acaba ficando pra gente.

- Esse número é grande ou pequeno na comparação com outras editorias e com o número de páginas disponíveis?

Esse número hoje está perto do ideal. Eu acho que, para as nossas necessidades, para cobrir ausências por férias e as viagens, o ideal seria que houvesse uma pessoa a mais. Eu acho que sete redatores seria o número ideal pra gente, porque sempre tem um que falta. Sempre tem um que não está operativo, porque está de férias ou porque está viajando. Eu acho que o ideal seria uma pessoa a mais. Mas não é o pior dos mundos, não. Já foi pior. A gente já trabalhou com cinco redatores. Nos tempos de crise, em que eles acabam cortando pessoal, cortando folha de pagamento, a gente tem que ceder vagas, você acaba perdendo uma perdendo uma pessoa e acaba ficando muito complicado. Eu acho que nesse número em que a gente está fica muito próximo do ideal. Acho que a gente precisaria de mais uma pessoa.

- Como funciona o trabalho dos redatores? Eles costumam fazer apuração por telefone ou pela Internet além do trabalho de redação?

O trabalho básico é feito com o despacho das agências de notícias, mas ultimamente a gente tem feito um esforço maior pra fazer apurações por telefone. Até pra gente ter uma informação diferenciada do que chega da produção das agências. Enfim, pra ter uma visão um pouco mais independente da visão ou da posição editorial das agências de notícias. A gente tem tentado buscar - além de apurações com especialistas ou mesmo com protagonistas de alguns fatos - apurar algumas notícias com ajuda dos sites, dos serviços online de alguns jornais de vários países.

- Quantos correspondentes fixos o Estadão tem hoje? Quais são e em que cidades eles ficam baseados?

Hoje nós temos cinco correspondentes fixos. Tem o Ariel Palácios, em Buenos Aires; tem a Patrícia Campos Mello, em Washington; tem o Jamil Chade, em Genebra; temos o Gilles Lapouge, em Paris; e o Andrei Neto, também em Paris. O Gilles é mais um comentarista, na verdade. Ele não trata muito do factual. O Andrei, em Paris, e o Jamil, em Genebra, estão em posições mais centrai, pra poder sair pra outros países da Europa, fazer algumas coberturas.

- Em que casos vocês costumam deslocar os correspondentes para a cobertura de um evento? Depende do tamanho do evento?

Depende do tamanho do evento e do interesse que esse evento desperte num determinado momento. O Andrei Neto, por exemplo, ele saiu recentemente para cobrir o caso do Cacciola em Mônaco. Não foi nem pra gente, foi pra Economia. Sempre que acontece alguma coisa que mereça um deslocamento, a gente manda alguém. Eu, mesmo, fui pro Peru no terremoto de agosto. América Latina, normalmente, quem sai sou eu. Saiu também a Ruth Costas algumas vezes pra fazer algumas coberturas específicas, também. Eu fui pra Argentina pra ajudar o Ariel nas eleições presidenciais, porque era um volume maior de trabalho. Eu fui lá pra reforçar o trabalho do Ariel. Teve o Congresso do Partido Comunista chinês e o Barella foi pra lá.

- Então os redatores e editores são repórteres, também? Eles têm experiência de reportagem?

Têm. A grande maioria deles tem.

- Como são escolhidas as cidades onde se estabelecem os correspondentes?

Isso se estabelece pela necessidade e pela facilidade de acesso que aquela sede do correspondente dá pra ele. Paris, por exemplo, é uma sede de corresponsalia porque é mais central. De Paris, você vai pra qualquer lugar da Europa e de Genebra também. O Ariel, na verdade, fica em Buenos Aires e dificilmente sai de lá; ele fica mais em Buenos Aires, mesmo. Washington porque é o centro político do mundo, hoje, então você tem que ter alguém lá. São esses critérios que se utiliza pra estabelecer o local onde ficam os correspondentes.

- O jornal costuma trabalhar com colaboradores?

Algumas vezes. Não é sempre, mas às vezes a gente precisa de colaboradores.

- Queria fazer uma pergunta mais específica: por que não existe nenhum correspondente do jornal na África? Existem colaboradores? Existe esse interesse?

A Mariana Della Barba, que é uma das nossas redatoras, acabou de voltar da África. Ela ficou 20 dias lá, fazendo uma grande reportagem. A gente vai sair com um caderno de África. Mas a verdade é que a África ainda não tem o poderio econômico ou político - não é centro de influência - pra que se mantenha um correspondente fixo lá. A gente tem tentado melhorar a cobertura de África. Sempre que saem discussões com estudantes - quando a gente sai para as universidades para discutir Jornalismo Internacional -, sempre se constata que a cobertura de África na imprensa brasileira é menor do que deveria ser. Mas isso se deve, mesmo, à pouca relevância econômica e política da África hoje. Você tem boas histórias, mas não é centro de influência.

- Com os recentes cortes de custos nas redações, principalmente nos anos 1990, o Estado de S. Paulo perdeu correspondentes? Como isso afetou a cobertura de assuntos internacionais do jornal?

Na verdade, há 10 ou 15 anos, na época da Guerra Fria, nós tínhamos correspondentes em Moscou, na Nicarágua, em Lisboa, em Madri, em vários pontos do mundo. Esses correspondentes nós não temos mais. De um tempo pra cá, se estabeleceu que nós manteríamos correspondentes nesses centros onde a gente tem hoje. O que aconteceu com esses cortes de custos, foi que alguns profissionais que já estavam no jornal há muito tempo, que tinham um salário muito alto e que estavam a ponto de se aposentar, passaram por um programa de demissão incentivada. Essas pessoas foram substituídas. Em termos de informação, a gente perdeu muito pouco, porque esses lugares foram ocupados.

- De que maneira você acha que o correspondente agrega valor ao noticiário internacional?

O correspondente sempre traz a visão pessoa, a visão brasileira, aquela visão doméstica, de alguém que está acostumado com o leitor brasileiro. Ele fala mais diretamente ao nosso leitor. Diferentemente das agências.

- Que agências de notícias o jornal assina e em que idiomas?

Reuters, em inglês; AFP, em espanhol; AP, em inglês; e EFE, em espanhol. São essas, porque são as maiores agências, mesmo.

- Vocês recebem o conteúdo das agências com uma visão crítica ou a credibilidade desses serviços faz com que eles sejam aceitos como informações de qualidade?

Não, a gente apura sempre todas as notícias que chegam, seja qual for a fonte. A gente recebe sempre de uma maneira muito crítica e apuramos. Essa é uma necessidade do trabalho jornalístico, então a gente sempre faz isso.

- Na sua opinião, o conteúdo das agências traz uma visão pré-concebida de determinados fatos?

Não é isso, necessariamente. Eu acho que toda a informação precisa ser checada, convertida e traduzida pra nossa linguagem de Jornalismo. Uma visão mais palatável para o nosso leitor. As agências não escrevem para o leitor brasileiro. É uma linguagem meio neutra e precisa ser reescrita.

- A Internet facilita o contato entre as informações disponíveis nas agências e os leitores. A televisão também torna mais imediato esse acesso. A editoria internacional tenta contornar isso com um conteúdo diferenciado?

A gente busca, na verdade, na Internet, dados alternativos a esses das agências. Então a gente vai sempre atrás dos jornais locais, dos blogs etc. A gente tenta diferenciar por meio desse esquema, que sempre enriquece o material que chega pelas agências, o material que a gente tem.

- Sempre que acontece alguma coisa em Buenos Aires, Washington ou Paris, nos lugares onde vocês têm um correspondente, vocês fazem a cobertura com o correspondente ou depende do tamanho do evento?

Fazemos com o correspondente. Mas eventualmente a gente municia o correspondente com informações que chegam das agências ou informações que ele não tem. Nós estamos sempre em contato direto com o correspondente pra que ele não fique sem dados.

- Vocês assinam conteúdo de jornais estrangeiros?

Assinamos o New York Times, o Washington Post, The Guardian, International Herald Tribune, Christian Science Monitor e o Sunday Times.

- Qual é a média diária de páginas que a editoria internacional tem?

A média diária é de três páginas e nos fins de semana aumenta. Chega a cinco páginas, mais ou menos.

- E no domingo, como o espaço é maior, o conteúdo é diferente? Foge da cobertura cotidiana?

O conteúdo é diferente. Ele é mais analítico, tem muito mais artigos etc.

- Como é definida a pauta? Como funcionam as decisões e o cotidiano de um dia de trabalho, até o fechamento?

No início do dia, a chefe de reportagem recebe as informações, vai elaborando o dia. Tem uma reunião de pauta "genérica", com o jornal inteiro, pela manhã. Quando os redatores chegam, eles olham especificamente o material deles, que é dividido por região - alguém cuida de América Latina, de Europa etc. Eles vêem esse material específico. Por volta de 14h, tem uma reunião com os próprios redatores pra definir a pauta. Ao longo do dia, se acontece alguma coisa que faça com que seja necessário virar a edição, é claro que a gente opera mais reativamente.

- Uma pergunta mais ampla: o que define o que é noticiável no Jornalismo Internacional?

Eu acho que a notícia é o fato que vai ter conseqüências depois, que vai ter conseqüências. É claro que, de repente, você tem um massacre numa escola na Finlândia, que é um fato muito grande, que é uma coisa que a gente cobre bem, mas que não vai perdurar por muito tempo. É um assunto que vai se consumir logo. Os processos são mais noticiáveis e é o que a gente tem feito.

- Por que você acha que a África figura com tão pouca freqüência no noticiário internacional brasileiro? Mesmo as crises humanitárias poderiam ter um espaço maior?

Eu acho que poderia ser maior, mas essas crises humanitárias têm uma cobertura razoável. Essas coberturas são feitas mesmo com base no material das agências e dos jornais que a gente assina. Eventualmente a gente manda alguém pra checar isso, como é o caso da Mariana, que foi agora pra Darfur. Eu acho que é claro que, se você tem um grande fato, o espaço do noticiário é muito maior.

- Se a editoria internacional tivesse mais espaço ou mais verba para viagens, o espaço dedicado à África seria maior?

Poderia. Eventualmente, poderia. Mas ainda teria um espaço inferior a Europa, Estados Unidos etc.

- Você acha que a imprensa brasileira é influenciada pela pauta mídia americana na hora de decidir o que é notícia?

Não. Definitivamente, não. A gente já rompeu essa relação de dependência de influência há algum tempo. Eu acho que a imprensa americana é muito boa, na média. Então os métodos são parecidos. A gente tem uma tendência a utilizar mais a noção de jornalismo funcionalista americano do que qualquer outra escola. Mas, no noticiário, isso já não influencia tanto.

- Se os americanos não estivessem ocupando Iraque, o confronto entre o exército turco e os curdos do norte do país seria notícia com o mesmo destaque que está sendo dado hoje?

Provavelmente não, porque você não teria o elemento complicador. Isso seria um impasse entre dois Estados, no caso: o Estado turco e o Estado iraquiano. Como existe a ocupação, isso se potencializa, porque uma eventual invasão da Turquia no norte do Iraque desestabilizaria a única região razoavelmente tranqüila hoje no Iraque.

- Vocês estudam a resposta e o interesse do público sobre determinados assuntos? O que interessa mais os leitores do Estadão?

A gente tem um feedback muito pequeno, na verdade. O leitor do Estado é muito específico. Determinados assuntos, a gente sabe que eles gostam. Por exemplo: América Latina eles acompanham de perto. Chegam muitas cartas em resposta aos artigos que se publicam. Estados Unidos eles acompanham muito de perto. Eles gostam muito de reportagens, da presença de enviados. Esse é o tipo de feedback que a gente tem: cartas e e-mails que eles enviam pra redação. E aí a gente procura, claro, satisfazer a necessidade dos seus clientes. Os nossos leitores são nossos clientes e a gente tem que satisfazê-los da melhor forma possível.

- Você acha que informar sobre outros assuntos pode provocar um novo olhar e o interesse por temas, países e regiões diferentes?

Pode. E a gente tenta, na medida do possível, fazer isso. O que a gente não pode fazer é deixar de informar, por exemplo, sobre o Chávez para dar uma grande matéria sobre um país africano. Hoje, a gente tem como parâmetro, também, a concorrência. Você não pode tomar furo. Você não pode deixar de dar uma coisa que a Folha está dando ou que O Globo está dando. E você tem uma limitação de papel, porque papel é caro. Alguns assuntos você tem que dar. Alguns temas se sobrepõem a outros naturalmente.

- Fiz essa pergunta pensando especificamente nos conflitos armados em Darfur. Você acha que se esse assunto fosse mais presente na pauta das editorias internacionais, ele estaria mais presente na opinião pública?

Não sei te responder, na verdade, porque é um tema muito mais distante da gente do que os outros. Talvez na Europa se tenha uma atenção maior pra isso por causa da proximidade. Eu não tenho dúvida de te dizer que se você perguntar para as pessoas na rua, 80% não sabe nem o que é Darfur. Então a gente tem que quebrar essa falta de conhecimento informando mais a respeito. Mas a gente tenta fazer isso na medida do possível, dentro dos critérios edição do Jornalismo Internacional.
Entrevista com Louise Bourgault
Professora da Northern Michigan University, EUA
Especialista em Mídia africana
Concedida por e-mail em 07/11/2007


- How does mass media work inside Africa? Are most countries sufficiently covered by its press? Are there relevant newspapers and television networks in most countries?

There are 53 countries in Africa. Each has its own media system. There are a few pan-african services, such as africa n. 1 in radio and TV. There is a web newsservice called allafrica.com. I suggest you check it out!

- Which countries have more expressive media and which ones have less expressive communication channels?

Countries with a lively private sector are likely to have what i think you mean be "expressive" communication. Those whose media is still small and government controlled will be less expressive.

- Are some countries flooded with foreign media, especially the ex-colonies of european countries?

Most countries are at least supplied with some examples of media from former colonial masters. Satellite and cable TV services, for example, are typically subsidiaries of European services.

- Are there any political and linguistic barriers that get in the way of the information flow in some countries and inside the continent?

Obviously, as one in two Africans overall is illiterate. The media available is usually written (or spoken if it's electronic media) in the language of the former colonial master. If a person has not gone to school, not only will he or she not be able to read French, English or Portuguese, but he or she may not be able to speak these languages either. This will exclude the person from a good deal of TV, but also a considerable amount of radio fare as well.

- Does technology constitute a barrier to the information flow from other continents and from africa to other countries?

Obviously, yes. Africa is the least wired continent. Computer ownership is very low, though people can go to Internet cafes. They must pay for on-line time and many lack the skills and the finances to do so.

- Do African media rely on the content provided by international news agencies do report the international sphere?

Yes, though they do have their own newsgathering sources as well. These are usually under resourced, however. See allafrica.com.

- Does Africa rely on these same agencies to express their issues to the international media?

Africa is of course very dependent on the big news services, especially the BBC and Agence France-Presse.

- Do you think that Africa is "under-reported" in the international media?

Yes.

- Would you like to suggest a particular case that you would like to comment?

Positive news is under-reported. Mali's successful democracy and transition to democracy in the early 1990s is unknown outside of Africa. The impending Rwandan genocide in 1994 was not reported early enough. The inability of African agricultural producers, such as Mali's cotton producers, to get a fair price for its products is not reported.