segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Entrevista com Claudia Antunes
Editora-chefe de internacional da Folha de S. Paulo
Concedida por telefone
Dia 27 de outubro de 2007


- Qual é a estrutura da editoria de Inter da Folha de S. Paulo? Quantos redatores etc.

Aqui é uma equipe pequena. Relativamente pequena, mas acho que é mais ou menos como em todos os jornais. Na Folha sou eu, que sou a editora, tem uma editora-adjunta e tem seis redatores-repórteres - incluindo a pauteira. São oito pessoas na editoria. Tem uma pauteira fixa que chegue de manhã cedo e sai mais cedo, também. É uma pauteira fixa e cinco redatores. Eu digo redatores-repórteres, porque a maioria das pessoas que trabalha aqui não é só um redator "clássico". São pessoas que também fazem reportagem, que viajam, fazem reportagem da redação, tem uma responsabilidade muito maior nisso do que tinha, por exemplo, quando eu entrei. Eu comecei a trabalhar em Internacional em 1982 e, na época, não tinha Internet, não tinha TV a cabo, então, basicamente os jornais tinham mais correspondentes no exterior, mas por outro lado, a redação era muito mais dependente das agências de notícias, que eram a fonte básica da informação - a fonte quase única da informação. Os jornais estrangeiros demoravam três dias pra chegar ao Brasil, como o Le Monde ou o New York Times. Hoje, eu estou fazendo uma matéria sobre a Índia e você pode ver o que os jornais da Índia estão dizendo. Ou da Argentina, Equador, China, qualquer país. Você pode ter fontes no exterior, os governos têm páginas na Internet, associações, institutos. Então ficou muito mais fácil, porque ampliou-se o leque de fontes a que você tem acesso.

- Esse número é grande ou pequeno na comparação com outras editorias, levando em conta o número de páginas de cada um e o volume de trabalho?

Eu acho que é pequeno, porque o número de páginas não significa uma equivalência. A editoria de Brasil, por exemplo, aqui em São Paulo, tem muito mais gente, mas é uma editoria em que 80% do noticiário é feito pela sucursal de Brasília. Não é produzido aqui em São Paulo. Então tem aquela coisa dor edator mais clássico, que é o cara que titula, corta - o copydesk. E aqui, as pessoas trabalham muito mais. O ideal era ter equipes maiores, não em função do que é publicado a cada dia, mas para você ter mais tempo e deixar pessoas livres para que elas pudessem fazer matérias especiais. Por isso eu acho que é um número pequeno.

- Como funciona o trabalho dos redatores? Você os chama de redatores-repórteres porque eles costumam fazer apuração por telefone ou pela Internet além do trabalho de redação?

Eles estão habilitados a fazer entrevistas que eventualmente possa completar as matérias que eles estão fazendo pro dia e eles estão habilitador a viajar e fazer coberturas fora do Brasil. A maioria das pessoas aqui tem alguma experiência de reportagem internacional.

- Os redatores costumam buscar muitas fontes fora das agências, como governos, especialistas, professores?

Razoavelmente, na medida do possível. É por isso que eu digo que tem uma equipe pequena: porque nem sempre dá pra você fazer isso todos os dias. Tem dias que você tem que pegar as agências, pegar os jornais e fazer a matéria. Não dá pra você ligar pra um especialista ou tentar falar com alguém. Se você quiser, você tem a possibilidade de fazer checagem de dados, por exemplo, pela Internet. É muito mais fácil fazer isso hoje em dia dentro da redação do que era antigamente.

- Quantos correspondentes fixos a Folha tem hoje? Quais são e em que cidades eles ficam baseados?

A Folha tem só cinco correspondentes fixos. Mas na Folha é um pouco diferente. A Folha tem aquele esquema de correspondente-bolsista. A Folha só tem um correspondente sênior, que é o Sérgio D'Ávila, que tá em Washington, agora. O Sérgio trabalha há muito tempo no jornal, já tinha morado em Washington antes, cobriu a Guerra do Iraque, já fez um monte de coberturas pelo mundo. E tem dois cargos de correspondente-bolsista, que são Buenos Aires e Nova York. Correspondente-bolsista é assim: tem um concurso interno na Folha, a pessoa fica lá por um período de nove meses e depois outra vai substituir. Geralmente são pessoas mais novas, jovens promissores. E temos uma pessoa em Caracas, que é o Fabiano Maisonnave, que era um repórter aqui da equipe de Mundo, que sempre foi repórter, trabalhou na Agência Folha em Campo Grande, depois foi correspondente-bolsista em Washington, na época que Washington era correspondente-bolsista também e no início desse ano, quando o jornal decidiu criar essa correspondência em Caracas, ele foi mandado pra lá. Então ele não é correspondente-bolsista. Ele é um repórter que cobre América Latina há muito tempo.

- E quem são os outros correspondentes?

Buenos Aires, agora, é o Rodrigo Rötzsch. Nova York é uma menina chamada Denyse Godoy. Londres não tem ninguém. O jornal só tem um correspondente fixo na Europa e trocou Londres por Genebra. Como é o primeiro posto de correspondência, a pessoa chegou lá há três semanas e agora está na Turquia. É o Marcelo Ninio, que é redator de Mundo, repórter superveterano, cobriu a Guerra do Líbano e foi indicado pra esse posto, foi uma nomeação. A idéia é viajar e poder cobrir da Europa, que foi uma das razões por que o jornal decidiu trocar Londres por Genebra. Londres é meio insularizado e não é exatamente "Europa". O que o jornal tem são freelancers, pessoas que fazem eventualmente matérias pro jornal. Em Londres tem até, atualmente, duas pessoas que eram repórteres do jornal e que ganharam bolsas. Um está estudando na London School e o outro não sei onde. Os dois têm contratos de colaboração fixa, mas não com a intensidade do correspondente e nem com o compromisso diário de um correspondente. E tem outros freelas, que ganham por matéria, em Madri, Paris etc.

- Quando existe um colaborador disponível no país onde aconteceu um evento, vocês buscam sempre fazer a reportagem com ele ou depende do tamanho do evento?

Depende do tamanho do negócio, porque às vezes não vale a pena. Depende da prioridade que você quer dar para aquilo. Quando o cara é correspondente fixo, independentemente do tamanho, a não ser que o ele esteja envolvido numa apuração pra uma matéria especial, ele acaba fazendo a matéria, independentemente do destaque que ela vai ter na edição. Mas quando não é correspondente fixo, quando é freelancer - ou no caso desses dois de Londres -, eu só peço matéria quando realmente é matéria que é prioridade pra mim, que vai ser um abre de seção, que vai ser uma especial.

- Nas últimas décadas, principalmente a partir dos anos 1990 e mais intensamente nos últimos anos, o corte de custos tomou contas das redações brasileiras e atingiu em cheio a figura do correspondente. Muitos jornais perderam jornalistas no exterior. Isso aconteceu com a Folha?

A Folha, como todos os jornais, perdeu muito. Aí no Rio, por exemplo, o Jornal do Brasil. Todo mundo tinha correspondente. A Folha já teve correspondente em Tóquio, em Moscou, em Pequim, em vários lugares da Europa. O Jornal do Brasil, também, já teve correspondentes em um monte de lugares. E todo mundo cortou. Isso foi geral.

- E o que você acha que a editoria internacional da Folha perdeu com isso? O que a falta da figura do correspondente provocou?

Quando eu entrei no jornal, o New York Times demorava três dias pra chegar aqui no Brasil, os redatores que trabalhavam em Mundo eram excessivamente dependentes do noticiário que as agências mandavam, não tinha Internet etc. Então, às vezes, o correspondente nem fazia um trabalho tão diferenciado assim. O cara sentava no escritório dele, lia todos os jornais, via televisão e mandava uma matéria. Uma matéria factual, mas com alguém que falava com conhecimento de causa e conhece a situação. Obviamente não era como uma matéria de agência. Eu acho que, mais do que ter correspondentes, os jornais podiam mandar mais gente pra fora, pra reportagens especiais ou pra coberturas. Na Folha, normalmente se existe alguma coisa que o jornal considera relevante, o jornal manda um enviado especial. O jornal teve, durante um ano, uma correspondente em Pequim, que foi a Cláudia Trevisan; resolveu tirar por razões financeiras. Mas agora, quando teve o Congresso do Partido Comunista, ela voltou lá, passou dez dias lá. Da mesma maneira, quando teve a Guerra do Líbano, o jornal mandou alguém. Assim como mandou o cara agora pra Turquia. Fora dessas emergências, dessas pautas de interesse geral, é mais difícil você convencer o jornal a investir numa viagem quando é uma pauta menos "quente", vamos dizer assim - embora ela possa se tornar quente. Acho que existe essa limitação. Então se o jornal estivesse mandando mais gente pra viajar ou tivesse mais essa possibilidade de ter mais correspondentes, que fossem mais itinerantes, mesmo - isso seria mais legal do que voltar a ter 20 correspondentes fixos no exterior.

- Como são escolhidas as cidades onde o jornal estabelece correspondentes fixos? E onde vocês procuram colaboradores? A editoria escolhe as cidades?

O correspondente fixo, que é o negócio do jornal, é uma coisa que tem esse critério: o jornal acha que aquele lugar é importante, tem uma importância geopolítica, o que acontece ali é importante pro Brasil ou pro mundo. Assim o jornal escolhe esses lugares. Os freelas são diferentes. Os freelas, geralmente, não é a gente que escolhe. Os freelas são brasileiros que vão para aquele lugar - geralmente Europa ou Estados Unidos, porque os países da Ásia não dão muita bolsa pra brasileiro estudar. É uma coisa meio aleatória. Então o cara entra em contato com o jornal, pergunta se quer que faça matéria e faz. Mas o cara não sobrevive disso. O cara pode fazer uma matéria por mês e ganhar US$ 150. Mas os correspondentes fixos realmente obedecem a esse cálculo. Eu ainda acho que cálculo financeiro é mais importante, porque se o cálculo geopolítico fosse importante, o jornal não teria tirado uma pessoa da China, por exemplo.

- Uma pergunta mais específica: por que não existe nenhum correspondente do jornal na África? Existem colaboradores?

Não, o jornal não tem e acho que nenhum jornal tem um correspondente fixo na África. Acho que é muito difícil. Fora alguns acontecimentos - como o fim do apartheid na Áfria do Sul ou o massacre em Ruanda, Burundi - a África, durante os anos 1990, perdeu um pouco a importância geopolítica. Acho que isso contribuiu muito pra esse cenário. Não que os jornais já tenham tido correspondentes na África, que eu me lembre. Mesmo quando os jornais tinham correspondente em tudo quanto é lugar, nunca tiveram correspondente na África. Com o fim da Guerra Fria, acabou aquele confronto por procuração, teve acordo de paz em Angola e em Moçambique. Claro que os países continuaram com dificuldades, miseráveis, mas houve um refluxo do noticiário internacional, como aconteceu durante todos os anos 1990. E esse refluxo foi mais significativo pra África, que ficou um pouco fora dessa onda liberal, globalizante dos anos 1990. Acho que isso está mudando um pouco agora. Acho que está claro que a África está virando uma nova fronteira de exploração econômica, mas eu não acho que os jornais tenham percebido isso. Eu não acho que para o jornal isso tenha batido: "É importante a gente cobrir a África, ter um correspondente lá". Embora eu seja favorável a isso, eu acho muito difícil. Pode ser que eles mudem de idéia em dois meses, mas pelo que eu tenho visto aqui, acho muito difícil que, no curto prazo, eles decidam mandar uma pessoa pra ficar baseada, por exemplo, numa capital africana e viajar pelo continente. A Folha tem uma menina, que está em negociação com o jornal, que está em Nairóbi, no Quênia, e que está tentando ser uma freela fixa na África. Sobre isso, o jornal ainda não decidiu. É claro que eu sou a favor. Acho que existe um monte de matérias pra fazer. Ao contrário do que a gente possa pensar, é caríssimo ficar na África. Eu sei porque um repórter da Folha que foi cobrir a visita do Lula, agora, ficou mais uns dias em Angola pra fazer matéria e é tudo caro, porque tudo é importado - da comida aos bens mais essenciais. Dependendo de onde você estiver na África, você tem que fazer escala na Europa pra viajar dentro da própria África. Tem muito lugar que não tem conexão aérea, ferroviária, nem nada. Talvez a África do Sul seja o país que mais tenha conexões aéreas dentro da África. Em muitos lugares, pra você ir pra outro país africano - que pode ser até próximo -, você precisa voltar pra Europa. É uma coisa cara. Se você pegar os jornais estrangeiros, o Financial Times, principalmente os jornais de economia, eles intensificaram demais a cobertura de África nos últimos dois anos. Principalmente por causa das matérias-primas, petróleo, minerais, toda essa disputa por isso, fora a questão da África do Norte. Acho que existe uma tendência que é mundial, de uma revalorização do noticiário da África, mas acho que isso vai demorar a chegar nos jornais brasileiros.

- Que agências de notícias o jornal assina e em que idiomas?

A Folha assina as tradicionais. Reuters, em inglês; Associated Press, em inglês; a France-Presse, em espanhol; a EFE, em espanhol; e a ANSA, em espanhol - mas eles mandam pouca coisa. Existem umas agências menores, que você pode comprar um artigo ou não, mas essas são as principais.

- Vocês recebem o conteúdo das agências com uma visão crítica ou a credibilidade desses serviços faz com que eles sejam aceitos como informações de qualidade? Existe uma tentativa de questionar o que é despachado, já que podem se tratar de visões pré-concebidas de determinados fatos?

Eu acho que as agências dificilmente erram informação, porque existe uma competição muito forte entre elas, então sobre essa questão da informação, elas precisam ter uma credibilidade. Se ela diz uma bomba explodiu em tal lugar, que existem cinco feridos e que o número de feridos pode aumentar, essa informação objetiva tem 90% de chances de estar certa e, se não estiver, eles corrigem cinco minutos depoias. Mas, obviamente, o noticiário das agências é um noticiário muito incompleto. E se a pessoa que estiver fazendo não estiver acompanhando aquele assunto em profundidade, não souber a história daquele caso, ela vai fazer um noticiário que não se justifica: vai fazer uma coisa incompleta. Eu acho que as agências usam muito pouca análise. Elas tentam manipular o mínimo, mas, na visão do passado – e todo acontecimento tem um passado por trás dele –, elas estão condicionadas a uma ideologia, no sentido de um pensamento hegemônico daquela região. Por que essas agências são as principais agências? Por que França, Espanha e esses outros países têm agências de notícias? Porque esses países tiveram colônias no mundo inteiro e precisaram estabelecer uma comunicação entre a metrópole e a sua colônia. Então isso é uma coisa que está embutida, mas não que você vê diretamente. A questão das agências não é que elas sejam manipuladoras. O problema são as pessoas que lidam com as agências. E não estou nem eximindo a Folha disso. Aqui tem algumas pessoas que fazem matérias de assuntos que conhecem e outras que pegam o assunto na primeira vez pra fazer, que não conhecem. Acho que o problema é de quem faz. A ignorância é de quem está fazendo, suando aquele material. Você precisa de muito mais informação pra entender do que as agências te dão no noticiário cotidiano.

- A Internet facilita o contato entre as informações disponíveis nas agências e os leitores. A televisão também torna mais imediato esse acesso à informação factual. A editoria internacional tenta contornar isso com um conteúdo diferenciado?

Tenta, com certeza. Acho que todas as editorias de jornal hoje tentam fazer um conteúdo diferenciado em relação ao que sai nos noticiários online, principalmente no Brasil, que são superprecários. A Folha Online não tem nada a ver com a Folha. Eu acho que essa diferença se traduz na própria ordem da edição. Nos noticiários online, a notícia mais lida sempre é uma notícia mais ligada a um faît-divers ou mais ligada ao campo das celebridades. E acho que a hierarquia que o jornal estabelece é uma hierarquia diferente do que o que os online dão. E não só hierarquia, mas o jornal também dá assuntos que o online não dá. Acho que o jornal tenta fazer essa diferenciação e tenta, quando tem mais tempo, fazer um texto um pouquinho melhor do que a qualidade média dos online.

- Sobre o jornal, qual é a média diária de páginas que a editoria internacional tem?

A média são três páginas nos dias de semana; cinco, seis páginas no domingo. Isso depende muito - e não depende muito do noticiário, depende do anúncio. Se tem muito anúncio, tem muita página. Se tem pouco anúncio, tem pouca página. A não ser que, obviamente, tenha uma crise, uma III Guerra Mundial, alguma coisa equivalente. Aí o jornal abre espaço, abre página branca, gasta papel. É claro que eu estou exagerando: tem a ver com a importância do noticiário. Mas essa importância é uma coisa negociada. O que eu acho superlegal, superimportante, talvez a direção da redação pode não achar naquele dia. Ou não é prioridade ou a prioridade é outra coisa que está acontecendo na editoria de Brasil ou de Dinheiro. Mas, em linhas gerais, fora essa avaliação sempre negociada - às vezes coincide, mas às vezes não há coincidência do que eu acho interessante e do que a primeira página acha interessante -, o que determina é o anúncio. Hoje, sábado, a Internacional tem seis páginas. Tem Mundo 2, porque tinha muito anúncio no jornal.

- Essa cobertura de domingo é diferenciada? Vocês fogem da cobertura cotidiana?

Essa é a idéia da cobertura de domingo - e sábado também. Você pressupõe que as pessoas têm mais tempo pra ler, que muitas pessoas não leram o jornal durante a semana. E são os dias em que o jornal é mais lido. Como tem mais espaço, você pode dar coisas maiores, mais legais, ou o que não seja o factual.

- Como funciona a definição da pauta? Como funcionam as decisões e o cotidiano de um dia de trabalho, até o fechamento?

A pauta sempre começa no dia anterior. Normalmente você tem uma agenda de assuntos que você está acompanhando, que você considera importantes. E eu ou a editora-adjunta deixamos um bilhete pra pauteira com outros assuntos. Se você vai ter uma cúpula Rússia-União Européia, que o Putin vai. Isso a gente já sabe e está há três semanas na nossa agenda. Mas existem coisas que aconteceram de noite e que vão precisar de suite ou coisas que chegaram tarde e a gente acha que merece dar melhor do que a gente conseguiu dar, uma notinha. Então tem que ir atrás, pedir matéria pra correspondente. Você já deixa uma orientação sobre tudo isso pro pauteiro. Ele chega aqui no jornal às 8h da manhã, às 9h tem uma reunião de toda a redação - uma reunião de produção do dia. Às vezes a secretaria de redação faz alguns pedidos. Eu chego 11h30, tem uma outra reunião da redação inteira 12h. Depois 13h30, 14h, tem uma reunião da editoria. Tem gente que já está fazendo a matéria que foi determinada no dia anterior ou três dias atrás pra ser publicada no dia seguinte. E tem gente que não está fazendo nada e vai entrar na pauta do dia. Nessa reunião, você discute a pauta do dia. E essa reunião define, mais ou menos, a edição do dia seguinte, mas é claro que isso pode ser mudado, porque pode acontecer alguma coisa que derrube ou que torne menos importante o que você já tinha planejado.

- E qual o horário de fechamento?

A Folha tem dois fechamentos. A edição nacional fecha às 20h e a edição São Paulo/Brasília fecha às 23h.

- Na sua opinião, por que a África figura com tão pouca freqüência no noticiário internacional brasileiro?

Acho que, aqui, as pessoas estão demorando muito a se dar conta de que o continente está atingindo uma nova importância. A relação com do Brasil com os países africanos não está tão óbvia, nem tão relevante do ponto de vista econômico, quanto está a relação do Brasil com os outros países da América do Sul, com a América Latina, em geral. E também porque a África não aparece o tempo todo nos noticiários online. Vários fatores contribuem pra isso. Acho que as pessoas, em geral, ainda não fizeram uma reavaliação do que pode ser importante na África.

- Se a editoria internacional tivesse mais espaço ou mais recursos, isso seria diferente?

Não sei, realmente. Acho que a pauta das editorias internacionais mudou muito e se ampliou muito. Os países da América Latina, em geral, ganharam um espaço muito maior. Acho que a Ásia também ganhou um espaço muito maior. Acho que a Europa, de uma certa forma, perdeu espaço, em relação ao que era publicado, por exemplo, nos anos 1980, quando os jornais tinham cinco correspondentes em capitais européias.

- Aproveitando: por que você acha que alguns países e algumas regiões ganham mais importância na pauta brasileira?

Acho que é uma coisa de poder. Poder e relação. Os jornalistas não estão completamente afastados. Acho que os jornais brasileiros estão começando a ter uma agenda própria. Agenda que não é exatamente como a do New York Times ou do Le Monde. Esses dois jornais vão fazer uma cobertura sobre países que são importantes para eles.

- Você acha que a imprensa brasileira é ou era influenciada pela pauta da mídia americana?

Acho que era muito mais do que é hoje. Não estou falando em geral. A Folha, por exemplo, era mais. Na época da Guerra Fria, era outra coisa. Existia essa polarização. Todos os conflitos podiam, de uma certa forma, ser enquadrados dentro dessa polarização e acho que o mundo ficou mais complexo. Houve um pouco de refluxo da política internacional nos anos 1990, quando tudo ficou relacionado ao comércio e o noticiário da política internacional migrou muito pra economia. Na verdade, o que eu tento fazer é reincorporar a economia na política. Acho que hoje a influência da pauta americana nos jornais brasileiros mudou, mas não completamente. Hoje, se um estudante mata um monte de pessoas num campus americano, as televisões vão gritar e eu vou ter que dar isso! Não tem muita conversa. Acho que existe uma influência, mas é muito menor do que era.

- Em agosto, seis mineiros americanos ficaram presos depois do desmoronamento de uma mina em Utah e, duas semanas depois, 300 mineiros chineses morreram em outro acidente. Nesse caso, a imprensa e a televisão, em particular, deu muito mais atenção aos americanos. Por que isso acontece?

Nesse caso, nós não demos nenhuma matéria sobre os mineiros de Utah e nós demos uma matéria enorme sobre os mineiros da China, principalmente por causa do conflito social que aquilo representava. Mas a TV sofre mais, porque é muito dependente de imagem e um serviço de imagem é muito mais caro do que um serviço de texto. O serviço de imagem é muito mais excludente de outras pautas do que o serviço de texto. A matéria-prima com que a TV trabalha é mais cara e mais centralizada.

- Analisando um caso específico: se os americanos não estivessem ocupando Iraque, o confronto entre o exército turco e os curdos do norte do país seria notícia com o mesmo destaque que está sendo dado hoje?

Não, claro que não. Mas também esse conflito só está acontecendo porque os americanos estão ocupando o Iraque. E porque, independentemente, é um caso importante. A Turquia e os Estados Unidos estão na OTAN. Na época do Saddam Hussein, mesmo que os curdos no norte do Iraque tivessem certa autonomia, o Saddam era muito mais duro em relação à coisa da fronteira. Quem controla o norte do Iraque efetivamente agora são os curdos do Iraque - e é a única região que os Estados Unidos consideram relativamente tranqüila no Iraque. Obviamente a Turquia está em pânico. É óbvio que a Turquia é importante. A Turquia fica entre a Europa e o Oriente, a Turquia acabou de assinar um acordo de fornecimento de gás com o Irã, a Turquia é da OTAN, a Turquia quer entrar na União Européia - mas a França não quer que a Turquia entre. Isso tem a ver com o negócio do Iraque, mas é claro que isso é importante! Se você não julgar assim, você cai num outro raciocínio: "Ah, então porque os Estados Unidos estão lá, eu também não vou dar. Não é importante". É meio idiota.

- Vocês estudam a resposta e o interesse do público sobre determinados assuntos? O que interessa mais os leitores da Folha? Você acha que informar sobre outros assuntos pode provocar um novo olhar e o interesse por temas, países e regiões diferentes?

O público está pagando a gente pra escolher o que eles querem. O jornal faz pesquisas, mas a coisa mais incrível é que o leitor nunca diz o que ele quer. O leitor acha tudo ótimo, em geral. E os leitores de jornais de informação geral são leitores superelitizados, se você comparar com o resto da população. Na verdade, eu acho que cabe a você. E eu não duvido que existam leitores e professores que tenham interesse por temas específicos e que gostariam de ver mais matérias no jornal sobre áreas de seu interesse específico. A média dos leitores, eles não apontam muito o que eles querem ler. Acho que isso é mais uma indicação que é de responsabilidade do jornalista. Mas é claro que informar sobre assuntos diferentes pode provocar o interesse por esses temas.

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