segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Entrevista com Roberto Lameirinhas
Subeditor de internacional de O Estado de S. Paulo
Concedida por telefone
Dia 12 de novembro de 2007


- Como funciona a estrutura da editoria de Inter do Estadão? Quantas pessoas trabalham entre editor-chefe, subeditores e redatores?

Aqui a gente tem nove pessoas. Seis redatores, que na verdade são editores-assistentes; temos um editor-chefe, que é o Eduardo Barella; um subeditor, que sou eu; e uma chefe de reportagem, que é a Leda Balbino. Além dessa estrutura, a gente conta com a equipe de tradutores, que trabalha pra todo o jornal - são três pessoas. E tem a equipe de correspondentes, que é coordenada por um "mesão", que é independente, que trabalha também pra todo o jornal. Mas é claro que o grosso da produção deles acaba ficando pra gente.

- Esse número é grande ou pequeno na comparação com outras editorias e com o número de páginas disponíveis?

Esse número hoje está perto do ideal. Eu acho que, para as nossas necessidades, para cobrir ausências por férias e as viagens, o ideal seria que houvesse uma pessoa a mais. Eu acho que sete redatores seria o número ideal pra gente, porque sempre tem um que falta. Sempre tem um que não está operativo, porque está de férias ou porque está viajando. Eu acho que o ideal seria uma pessoa a mais. Mas não é o pior dos mundos, não. Já foi pior. A gente já trabalhou com cinco redatores. Nos tempos de crise, em que eles acabam cortando pessoal, cortando folha de pagamento, a gente tem que ceder vagas, você acaba perdendo uma perdendo uma pessoa e acaba ficando muito complicado. Eu acho que nesse número em que a gente está fica muito próximo do ideal. Acho que a gente precisaria de mais uma pessoa.

- Como funciona o trabalho dos redatores? Eles costumam fazer apuração por telefone ou pela Internet além do trabalho de redação?

O trabalho básico é feito com o despacho das agências de notícias, mas ultimamente a gente tem feito um esforço maior pra fazer apurações por telefone. Até pra gente ter uma informação diferenciada do que chega da produção das agências. Enfim, pra ter uma visão um pouco mais independente da visão ou da posição editorial das agências de notícias. A gente tem tentado buscar - além de apurações com especialistas ou mesmo com protagonistas de alguns fatos - apurar algumas notícias com ajuda dos sites, dos serviços online de alguns jornais de vários países.

- Quantos correspondentes fixos o Estadão tem hoje? Quais são e em que cidades eles ficam baseados?

Hoje nós temos cinco correspondentes fixos. Tem o Ariel Palácios, em Buenos Aires; tem a Patrícia Campos Mello, em Washington; tem o Jamil Chade, em Genebra; temos o Gilles Lapouge, em Paris; e o Andrei Neto, também em Paris. O Gilles é mais um comentarista, na verdade. Ele não trata muito do factual. O Andrei, em Paris, e o Jamil, em Genebra, estão em posições mais centrai, pra poder sair pra outros países da Europa, fazer algumas coberturas.

- Em que casos vocês costumam deslocar os correspondentes para a cobertura de um evento? Depende do tamanho do evento?

Depende do tamanho do evento e do interesse que esse evento desperte num determinado momento. O Andrei Neto, por exemplo, ele saiu recentemente para cobrir o caso do Cacciola em Mônaco. Não foi nem pra gente, foi pra Economia. Sempre que acontece alguma coisa que mereça um deslocamento, a gente manda alguém. Eu, mesmo, fui pro Peru no terremoto de agosto. América Latina, normalmente, quem sai sou eu. Saiu também a Ruth Costas algumas vezes pra fazer algumas coberturas específicas, também. Eu fui pra Argentina pra ajudar o Ariel nas eleições presidenciais, porque era um volume maior de trabalho. Eu fui lá pra reforçar o trabalho do Ariel. Teve o Congresso do Partido Comunista chinês e o Barella foi pra lá.

- Então os redatores e editores são repórteres, também? Eles têm experiência de reportagem?

Têm. A grande maioria deles tem.

- Como são escolhidas as cidades onde se estabelecem os correspondentes?

Isso se estabelece pela necessidade e pela facilidade de acesso que aquela sede do correspondente dá pra ele. Paris, por exemplo, é uma sede de corresponsalia porque é mais central. De Paris, você vai pra qualquer lugar da Europa e de Genebra também. O Ariel, na verdade, fica em Buenos Aires e dificilmente sai de lá; ele fica mais em Buenos Aires, mesmo. Washington porque é o centro político do mundo, hoje, então você tem que ter alguém lá. São esses critérios que se utiliza pra estabelecer o local onde ficam os correspondentes.

- O jornal costuma trabalhar com colaboradores?

Algumas vezes. Não é sempre, mas às vezes a gente precisa de colaboradores.

- Queria fazer uma pergunta mais específica: por que não existe nenhum correspondente do jornal na África? Existem colaboradores? Existe esse interesse?

A Mariana Della Barba, que é uma das nossas redatoras, acabou de voltar da África. Ela ficou 20 dias lá, fazendo uma grande reportagem. A gente vai sair com um caderno de África. Mas a verdade é que a África ainda não tem o poderio econômico ou político - não é centro de influência - pra que se mantenha um correspondente fixo lá. A gente tem tentado melhorar a cobertura de África. Sempre que saem discussões com estudantes - quando a gente sai para as universidades para discutir Jornalismo Internacional -, sempre se constata que a cobertura de África na imprensa brasileira é menor do que deveria ser. Mas isso se deve, mesmo, à pouca relevância econômica e política da África hoje. Você tem boas histórias, mas não é centro de influência.

- Com os recentes cortes de custos nas redações, principalmente nos anos 1990, o Estado de S. Paulo perdeu correspondentes? Como isso afetou a cobertura de assuntos internacionais do jornal?

Na verdade, há 10 ou 15 anos, na época da Guerra Fria, nós tínhamos correspondentes em Moscou, na Nicarágua, em Lisboa, em Madri, em vários pontos do mundo. Esses correspondentes nós não temos mais. De um tempo pra cá, se estabeleceu que nós manteríamos correspondentes nesses centros onde a gente tem hoje. O que aconteceu com esses cortes de custos, foi que alguns profissionais que já estavam no jornal há muito tempo, que tinham um salário muito alto e que estavam a ponto de se aposentar, passaram por um programa de demissão incentivada. Essas pessoas foram substituídas. Em termos de informação, a gente perdeu muito pouco, porque esses lugares foram ocupados.

- De que maneira você acha que o correspondente agrega valor ao noticiário internacional?

O correspondente sempre traz a visão pessoa, a visão brasileira, aquela visão doméstica, de alguém que está acostumado com o leitor brasileiro. Ele fala mais diretamente ao nosso leitor. Diferentemente das agências.

- Que agências de notícias o jornal assina e em que idiomas?

Reuters, em inglês; AFP, em espanhol; AP, em inglês; e EFE, em espanhol. São essas, porque são as maiores agências, mesmo.

- Vocês recebem o conteúdo das agências com uma visão crítica ou a credibilidade desses serviços faz com que eles sejam aceitos como informações de qualidade?

Não, a gente apura sempre todas as notícias que chegam, seja qual for a fonte. A gente recebe sempre de uma maneira muito crítica e apuramos. Essa é uma necessidade do trabalho jornalístico, então a gente sempre faz isso.

- Na sua opinião, o conteúdo das agências traz uma visão pré-concebida de determinados fatos?

Não é isso, necessariamente. Eu acho que toda a informação precisa ser checada, convertida e traduzida pra nossa linguagem de Jornalismo. Uma visão mais palatável para o nosso leitor. As agências não escrevem para o leitor brasileiro. É uma linguagem meio neutra e precisa ser reescrita.

- A Internet facilita o contato entre as informações disponíveis nas agências e os leitores. A televisão também torna mais imediato esse acesso. A editoria internacional tenta contornar isso com um conteúdo diferenciado?

A gente busca, na verdade, na Internet, dados alternativos a esses das agências. Então a gente vai sempre atrás dos jornais locais, dos blogs etc. A gente tenta diferenciar por meio desse esquema, que sempre enriquece o material que chega pelas agências, o material que a gente tem.

- Sempre que acontece alguma coisa em Buenos Aires, Washington ou Paris, nos lugares onde vocês têm um correspondente, vocês fazem a cobertura com o correspondente ou depende do tamanho do evento?

Fazemos com o correspondente. Mas eventualmente a gente municia o correspondente com informações que chegam das agências ou informações que ele não tem. Nós estamos sempre em contato direto com o correspondente pra que ele não fique sem dados.

- Vocês assinam conteúdo de jornais estrangeiros?

Assinamos o New York Times, o Washington Post, The Guardian, International Herald Tribune, Christian Science Monitor e o Sunday Times.

- Qual é a média diária de páginas que a editoria internacional tem?

A média diária é de três páginas e nos fins de semana aumenta. Chega a cinco páginas, mais ou menos.

- E no domingo, como o espaço é maior, o conteúdo é diferente? Foge da cobertura cotidiana?

O conteúdo é diferente. Ele é mais analítico, tem muito mais artigos etc.

- Como é definida a pauta? Como funcionam as decisões e o cotidiano de um dia de trabalho, até o fechamento?

No início do dia, a chefe de reportagem recebe as informações, vai elaborando o dia. Tem uma reunião de pauta "genérica", com o jornal inteiro, pela manhã. Quando os redatores chegam, eles olham especificamente o material deles, que é dividido por região - alguém cuida de América Latina, de Europa etc. Eles vêem esse material específico. Por volta de 14h, tem uma reunião com os próprios redatores pra definir a pauta. Ao longo do dia, se acontece alguma coisa que faça com que seja necessário virar a edição, é claro que a gente opera mais reativamente.

- Uma pergunta mais ampla: o que define o que é noticiável no Jornalismo Internacional?

Eu acho que a notícia é o fato que vai ter conseqüências depois, que vai ter conseqüências. É claro que, de repente, você tem um massacre numa escola na Finlândia, que é um fato muito grande, que é uma coisa que a gente cobre bem, mas que não vai perdurar por muito tempo. É um assunto que vai se consumir logo. Os processos são mais noticiáveis e é o que a gente tem feito.

- Por que você acha que a África figura com tão pouca freqüência no noticiário internacional brasileiro? Mesmo as crises humanitárias poderiam ter um espaço maior?

Eu acho que poderia ser maior, mas essas crises humanitárias têm uma cobertura razoável. Essas coberturas são feitas mesmo com base no material das agências e dos jornais que a gente assina. Eventualmente a gente manda alguém pra checar isso, como é o caso da Mariana, que foi agora pra Darfur. Eu acho que é claro que, se você tem um grande fato, o espaço do noticiário é muito maior.

- Se a editoria internacional tivesse mais espaço ou mais verba para viagens, o espaço dedicado à África seria maior?

Poderia. Eventualmente, poderia. Mas ainda teria um espaço inferior a Europa, Estados Unidos etc.

- Você acha que a imprensa brasileira é influenciada pela pauta mídia americana na hora de decidir o que é notícia?

Não. Definitivamente, não. A gente já rompeu essa relação de dependência de influência há algum tempo. Eu acho que a imprensa americana é muito boa, na média. Então os métodos são parecidos. A gente tem uma tendência a utilizar mais a noção de jornalismo funcionalista americano do que qualquer outra escola. Mas, no noticiário, isso já não influencia tanto.

- Se os americanos não estivessem ocupando Iraque, o confronto entre o exército turco e os curdos do norte do país seria notícia com o mesmo destaque que está sendo dado hoje?

Provavelmente não, porque você não teria o elemento complicador. Isso seria um impasse entre dois Estados, no caso: o Estado turco e o Estado iraquiano. Como existe a ocupação, isso se potencializa, porque uma eventual invasão da Turquia no norte do Iraque desestabilizaria a única região razoavelmente tranqüila hoje no Iraque.

- Vocês estudam a resposta e o interesse do público sobre determinados assuntos? O que interessa mais os leitores do Estadão?

A gente tem um feedback muito pequeno, na verdade. O leitor do Estado é muito específico. Determinados assuntos, a gente sabe que eles gostam. Por exemplo: América Latina eles acompanham de perto. Chegam muitas cartas em resposta aos artigos que se publicam. Estados Unidos eles acompanham muito de perto. Eles gostam muito de reportagens, da presença de enviados. Esse é o tipo de feedback que a gente tem: cartas e e-mails que eles enviam pra redação. E aí a gente procura, claro, satisfazer a necessidade dos seus clientes. Os nossos leitores são nossos clientes e a gente tem que satisfazê-los da melhor forma possível.

- Você acha que informar sobre outros assuntos pode provocar um novo olhar e o interesse por temas, países e regiões diferentes?

Pode. E a gente tenta, na medida do possível, fazer isso. O que a gente não pode fazer é deixar de informar, por exemplo, sobre o Chávez para dar uma grande matéria sobre um país africano. Hoje, a gente tem como parâmetro, também, a concorrência. Você não pode tomar furo. Você não pode deixar de dar uma coisa que a Folha está dando ou que O Globo está dando. E você tem uma limitação de papel, porque papel é caro. Alguns assuntos você tem que dar. Alguns temas se sobrepõem a outros naturalmente.

- Fiz essa pergunta pensando especificamente nos conflitos armados em Darfur. Você acha que se esse assunto fosse mais presente na pauta das editorias internacionais, ele estaria mais presente na opinião pública?

Não sei te responder, na verdade, porque é um tema muito mais distante da gente do que os outros. Talvez na Europa se tenha uma atenção maior pra isso por causa da proximidade. Eu não tenho dúvida de te dizer que se você perguntar para as pessoas na rua, 80% não sabe nem o que é Darfur. Então a gente tem que quebrar essa falta de conhecimento informando mais a respeito. Mas a gente tenta fazer isso na medida do possível, dentro dos critérios edição do Jornalismo Internacional.

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